Capa do álbum 'Jóia, jóia', de Wilson Simonal Reprodução ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Jóia, jóia, Wilson Simonal, 1971 ♪ Em setembro de 1971, o mundo de Wilson Simonal (23 de fevereiro 1938 – 25 de junho 2000) já começava a ruir quando o cantor carioca terminou de gravar o álbum Jóia, jóia, pondo voz na música De noite na cama (Caetano Veloso, 1971), gravada no mesmo ano por Erasmo Carlos e Doris Monteiro. É que, durante as sessões de gravação deste álbum que encerrou a consagradora passagem do artista pela Odeon, gravadora na qual o cantor ingressara em 1961, Simonal já estava envolvido em pendengas judiciais decorrentes de ato impensado que cometera naquele ano. Em meados daquele ano de 1971, o artista recorrera a agentes do repressor Departamento de Ordem Política e Social (Dops) para dar prensa em contador que o cantor acreditava ter desfalcado a empresa que Simonal abrira para agenciar a própria carreira. Já nociva e intolerável em si, a ação passional de Simonal gerou trama espantosa no qual o artista se viu no papel de dedo-duro, colaborador do Dops, em acusações que diluíram o prestígio e o trânsito do cantor pelo meio artístico, mas que, ao contrário do que se pensa, jamais impediram a continuidade da carreira de Simonal. Mesmo empurrado para os holofotes das páginas policiais, o cantor gravou discos (editados pela Philips e, depois, pela RCA) e fez shows com regularidade ao longo da década de 1970. Mas sem jamais reeditar o sucesso crescente e avassalador da segunda metade dos anos 1960. Nessa fase áurea, Simonal se tornara popstar regente de plateias e voz principal da Pilantragem, subgênero musical criado pelo marqueteiro Carlos Imperial (1935 – 1992) e desenvolvido por instrumentistas notáveis como o pianista César Camargo Mariano, integrante fundamental do Som Três, trio que pôs molho no champignon de Simonal. Champignon, cabe lembrar, significava balanço e era o termo inventado por esse extraordinário cantor que caía no suingue como poucos. Gravado entre maio, agosto e setembro de 1971, o álbum Jóia, jóia foi lançado em outubro daquele turbulento e decisivo ano da vida de Simonal, marcando o início de fase crepuscular da carreira do cantor. A bem da verdade, Simonal já vinha atravessando problemas na área musical antes da polêmica com o Dops. Com a notória arrogância, Simonal já havia se atritado com o Som Três. Tanto que o álbum Jóia, jóia foi o primeiro feito pelo cantor sem o trio em anos. Mas o champignon foi garantido com o molho do maestro e pianista paulistano Erlon Chaves (1933 – 1974), responsável pelas regências dos metais e das cordas proeminentes em todo o disco. Em Jóia, jóia, o cantor se aproximou da MPB e consolidou o afastamento da Pilantragem, em movimento iniciado no álbum anterior Simonal (1970). Por essa época, Simonal também idealizou engajamento com o soul que despontara no Brasil em 1970 com Tim Maia (1942 – 1988) à frente da corrente black Rio que desaguaria no movimento homônimo dos bailes da pesada. A adesão explícita ao soul ficou no plano das ideias, mas o som de Simonal sempre foi black pela própria natureza. O cruzamento da malícia nordestina com o suingue funky na regravação de Gemedeira (Luiz Wanderley e Lúcio Varela, 1968) exemplificou, em Jóia jóia, a negritude embutida desde sempre na música de Simonal. Lampião em prosa e verso (Luiz Wanderley, 1971) também seguiu nessa trilha nordestina, sem malícia, mas com champignon. Sem deixar entrever a agonia do cantor na época da gravação, o álbum Jóia, jóia foi pautado pelo suingue singular de Simonal, cantor capaz de diluir até a profunda melancolia impressa na lacrimosa balada Impossível acreditar que perdi você (Márcio Greyck e Cobel, 1971), um dos sucessos daquele ano. Mestre nas divisões, Simonal surfou inabalável pelo ritmo do então inédito samba Tristeza (Edil Pacheco e Carlos Lacerda) em gravação dedicada pelo cantor ao subúrbio carioca. Coros, cordas e metais em brasa também aqueceram Tudo é magnífico (Luis Reis e Haroldo Barbosa, 1960), samba lançado 11 anos antes na voz mais tradicional de Elizeth Cardoso (1920 – 1990). As regravações dos sambas Garoa diferente (Tião Motorista, 1970), Você abusou (Antonio Carlos & Jocafi, 1971) – esnobado por Simonal quando os autores lhe ofereceram a música em primeira mão, mas abordado com balanço soul e toques de gospel no coro em registro personalíssimo – e Na galha do cajueiro (Tião Motorista, 1970) foram encadeadas no Lado B do LP. Encerrado com releitura de Fotografia (Antonio Carlos Jobim, 1959), o álbum Jóia, jóia mostrou para os ouvintes que a bossa do cantor continuava intacta naquele ano de 1971. Mas poucos ouviram o disco, por questões extra-musicais. O mundo de Simonal caiu ainda mais após 1971. E ruiu sem a poesia do sol que caía no mar, como escreveu Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994) na letra da canção em que, antes da queda definitiva, Wilson Simonal pôs voz para atestar para a posteridade uma soberania vocal que a história tentou apagar. Um canto esperto que discos como Jóia, jóia perpetuaram para a eternidade.