Piora das condições do mercado de trabalho deve ser o principal fator do agravamento das condições socais do país. Especialistas pedem urgência ao governo para que ajuda chegue aos mais vulneráveis. 13,5 milhões de brasileiros vivem na pobreza; número deve crescer Fernando Frazão/Agência Brasil A crise econômica provocada pelo coronavírus deve deixar um rastro de aumento de pobreza e desigualdade no Brasil. A deterioração social tende a ocorrer em duas frentes: colocando novas pessoas entre os mais pobres do país e piorando a condição da população já vulnerável. Na leitura dos especialistas, o quadro que se desenha com a pandemia reforça a necessidade de que o poder público haja com rapidez para mitigar os efeitos sociais da crise. O governo federal tem anunciado uma série de medidas ao longo das últimas semanas, sendo a mais importante delas um auxílio emergencial de R$ 600 por mês para trabalhadores informais. No entanto, ainda há dúvidas sobre a capacidade do governo de fazer chegar esse novo benefício aos mais afetados. Medidas econômicas na crise do coronavírus: veja perguntas e respostas “A crise deve provocar um aumento acelerado da pobreza e da desigualdade no país”, diz o professor titular e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, Naercio Menezes Filho. "Se as medidas não forem colocadas em prática rapidamente, uma parcela da população não vai ter nenhuma renda." A piora esperada para o mercado de trabalho deve ser o grande detonador do aumento da pobreza e da desigualdade. O Brasil tem um grande contingente de trabalhadores desempregados e na informalidade. São grupos diretamente afetados pela paralisação da economia com a prática do isolamento social, considerada, no entanto, fundamental para que o país supere o surto. Em janeiro, no último dado disponível, eram 11, 9 milhões de desempregados e 38,3 milhões de trabalhadores na informalidade, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). "O impacto vai ser duro, não vai ser simples. O Brasil vai ter uma recessão profunda, e o desemprego vai aumentar", afirma o economista-chefe da Genial Investimentos, José Marcio Camargo. Estimativa do banco Santander aponta que, no pico da crise, número de desempregados no Brasil pode subir em 2,5 milhões. O tamanho do impacto do coronavírus na economia ainda é difícil de ser estimado e vai depender do tempo necessário para que o isolamento social funcione. Nas contas da Genial, se o período de distanciamento durar 40 dias, o Produto Interno Bruto (PIB) deve recuar 1,1% neste ano. Mas num cenário pessimista, de 70 dias de isolamento, a queda pode chegar a 7,7%. "O quadro emprego até vinha melhorando, mas agora devemos ver um aumento forte do desemprego", afirma Camargo. Por ora, ele estima que o desemprego deve encerrar o ano em 14,3%. Desigualdade já vinha piorando A crise chega num momento social bastante delicado no país. Com a recessão e a lenta retomada da economia dos últimos anos, o Brasil registrou uma piora dos índices sociais. Em 2018, segundo dados do IBGE, a concentração de renda voltou a piorar. O índice de Gini avançou para 0,509, depois de ficar no ano anterior, em 0,501. O número apurado para o índice de Gini foi o maior da série iniciada em 2012 e leva em conta o rendimento médio dos brasileiros para todos os trabalhos. O índice varia de zero a 1 – quanto mais próximo de 1, mais desigual é uma sociedade. Índice de Gini de todos os trabalhos Economia G1 “Se a gente analisa o passado, os mais pobres foram muito afetados com a combinação da recessão e da lenta retomada da economia brasileira”, afirma o diretor da FGV Social, Marcelo Neri. O comportamento da renda nos últimos anos deixa bem evidente como a crise reforçou a desigualdade no país. Entre 2014 – ano de início da recessão – e 2018, a renda de toda a população caiu 2%, enquanto a dos 5% mais pobres do país desabou 39%. Nesse período de quatro anos, 4,5 milhões de brasileiros também entraram na pobreza, aumentando para 13,5 milhões a quantidade de pessoas que vive nessa condição. Encontrar os mais pobres Para lidar com a deterioração do quadro social, o grande desafio do governo é mapear a população mais vulnerável, identificar quais serão os novos pobres do país e, sobretudo, fazer a ajuda financeira chegar de forma rápida durante o período da pandemia. Quanto mais cedo todo esse processo for realizado e implementado, melhor pode ser o desempenho do país, segundo analistas. Uma parte da população mais vulnerável está mapeada no Cadastro Único. Já é possível, portanto, identificar e chegar a uma fatia grande de brasileiros que deve ser beneficiária dos R$ 600 mensais – ao todo, o governo espera que esse auxílio beneficie 54 milhões de pessoas. Como saber se estou no Cadastro Único? Brasil é suficientemente rico para garantir ajuda aos afetados pelo coronavírus, diz um dos criadores do Bolsa Família "O Cadastro Único tem um potencial muito grande de ser o pivô da política social, sobretudo nesse período de emergência”, afirma Ricardo Henriques, um dos idealizadores do Cadastro Único e atual superintende-executivo do Instituto Unibanco. Governo publica auxílio emergencial de R$ 600 para informais no Diário Oficial O que os analistas têm debatido é a lentidão para que a ajuda mensal alcance a população mais vulnerável. O calendário para o pagamento do auxílio aos informais será anunciado nesta segunda-feira. "Parece que há (no governo) pouco conhecimento da máquina pública e um baixo sentido de urgência. Tudo isso gera uma letargia, o que não é adequado com o cenário de emergência que o país está vivendo", afirma Henriques. Segundo o governo, um aplicativo de celular vai ajudar a identificar os trabalhadores informais que não estão nos banco de dados do governo. Também será possível fazer o cadastro por meio de um telefone (a ser divulgado) e por um site (ainda em desenvolvimento). Boletim: governo vai lançar aplicativo para cadastrar informais que têm direito a auxílio