Novo coronavírus traz interrupção das atividades e corte na renda de trabalhadores; entre as medidas relatadas estão interrupção do pagamento do cartão de crédito, diminuição das compras e corte em pedidos de comida por aplicativo. Brasileiros afetados pelo desemprego e queda ou interrupção nas suas atividades em decorrência da quarentena devido ao avanço do novo coronavírus já começaram a refazer seus gastos para enfrentar a queda abrupta da renda. Entre as medidas relatadas estão interrupção do pagamento do cartão de crédito, corte nas compras do supermercado e de pedidos de entrega de comida e até de internet. Veja abaixo os relatos de uma desempregada, de um motorista de aplicativo que teve corte de 90% nas corridas e de uma vendedora em férias coletivas. ‘Nem minha mãinha foi poupada’ Dede Bezerra refez seu orçamento e cortou gastos no supermercado, pagamento do cartão de crédito e até a mesada que enviava para a mãe no Ceará Arquivo pessoal A vendedora Dede Bezerra, de 44 anos, está em férias coletivas desde a semana passada. Esta foi a alternativa encontrada pela empresa para atender à determinação de quarentena na cidade de São Paulo. Ela continua recebendo o salário, mas o dinheiro da comissão das vendas – que tem a maior proporção na renda – não vai entrar no período. Além disso, o baixo movimento na loja nas últimas semanas antes de ser decretada a quarentena em São Paulo também refletiu na queda das suas comissões. A vendedora não colocou as contas no papel, mas já está repensando todos os seus gastos. Nem a ajuda financeira que dava para sua mãe será poupada dos cortes. Dede conta que vai priorizar o pagamento do aluguel e das contas de água, luz, gás e internet. “Agora que estou mais em casa, vai aumentar o valor, então tenho que estar preparada para isso”, prevê. Além disso, ela já começou a diminuir as compras do supermercado. Só levará para casa arroz, feijão e “alguma mistura que seja mais barata”. Ela diminuiu até a compra de produtos de limpeza. “Então nem dá para pensar em fazer estoque”. Dede passará ainda a comprar rações de marcas mais baratas para os dois cachorros. Os pedidos de comida por aplicativo também foram suspensos. E quando voltar a trabalhar decidiu que levará marmita todos os dias. Os pagamentos de suas dívidas terão de ser interrompidos. E ela decidiu que vai parcelar o que deve no cartão de crédito. A vendedora afirma que não poderá mais mandar dinheiro para a mãe que mora no Ceará – a irmã vai cobrir a parte dela e, quando sua renda voltar ao normal, pagará os valores devidos. “Nem minha mãinha foi poupada”, lamenta. Dede tinha férias marcadas para abril, mas seu voo foi cancelado. Ela até se animou com a possibilidade de conseguir logo o dinheiro de volta, mas a empresa aérea deu como opção o estorno em até 12 meses ou a remarcação do voo. Se não voltar a trabalhar no próximo dia 8, que é quando terminam as férias coletivas, não sabe o que a espera. “Porque eles não podem cortar o salário, mas o dinheiro da comissão não vai entrar, aí vou ter que pensar em cortar mais coisas”, afirma. ‘Não sei se conseguirei pagar o aluguel’ Cleber de Lima está tendo que fazer adaptações em seu orçamento pela segunda vez Arquivo pessoal O motorista de aplicativo Cleber Antonio de Lima, de 42 anos, está amargando a perda de 90% no número de corridas. “Cheguei a trabalhar das 6h à 1h da manhã na semana passada para fazer sete corridas”, conta. A queda na demanda fez com que o motorista reduzisse seu tempo na rua – se antes ele ficava 16 horas fazendo corridas, agora ele trabalha das 6h30 às 16h. “Tive que tomar essa decisão porque não tem corrida e não dá para ficar gastando gasolina”, justifica. Ele conta que tirava cerca de R$ 3 mil por mês, descontados os custos com o carro. Agora acredita que vai tirar ao redor de R$ 400. Como era o responsável pela maior parte da renda dentro de casa, agora ele conta com o dinheiro que vem das encomendas de bolos que a mulher faz para fora. Os R$ 300 que tinha guardado já foram gastos com as compras de supermercado. Neste mês já pagou as contas de consumo e aluguel, mas no mês que vem não sabe se vai ter o dinheiro e já avisou o dono da casa que poderá ficar devendo. “Estou fazendo o possível para ter o dinheiro do aluguel. Até então estava tudo organizado” conta. O motorista de aplicativo diz que cortou o possível das compras e, no mês que vem, seguirá a mesma prática. “Comprei só o necessário, porque ninguém vai morrer comendo só arroz e feijão. Tenho arroz, feijão, óleo e sal para dois meses. E cortei os supérfluos, não peço mais pizza nem esfiha em casa. Cortei até o pão, comprava 10 por dia, agora compro cinco. Reduzi as frutas também”, diz. A esposa não pega mais transporte por aplicativo: Lima é quem está fazendo todas as corridas com ela, principalmente as entregas dos bolos. Outra decisão foi deixar de pagar o cartão de crédito. A dívida chega a R$ 8 mil, incluindo os juros. “Não tem nem como refinanciar as dívidas”, afirma. A mulher de Lima trabalha como cuidadora há quase 15 anos tomando conta de uma pessoa com deficiência. Mas foi dispensada por 15 dias. “Minha esposa me ajuda, se ela não estivesse trabalhando ficaria muito mais difícil, então ela completa o que falta. Embora ela ganhe pouco também”. Segundo Lima, as encomendas de bolo aumentaram neste momento em que as pessoas não estão saindo de casa. “Se melhorar mais e eu conseguir abrir um comércio para ela, com certeza eu paro com o transporte por aplicativo”, comenta. O motorista diz que optou pelas corridas por aplicativo após perder o emprego de supervisor de estacionamento. No começo de março, ele havia sido contrato como eletricista, mas foi dispensado após uma semana de trabalho porque um funcionário da empresa contraiu a Covid-19. Como supervisor de estacionamento, sua renda era três vezes maior. Então teve de adequar seus gastos ao que passou a ganhar como motorista de aplicativo. Esta é a segunda vez que Lima terá de mexer em seu orçamento para conseguir viver com o dinheiro que tem. ‘Vou cortar até a internet’ Gleice dos Santos perdeu o emprego e lamenta ainda o fechamento do salão de cabeleireiro do marido Arquivo pessoal A promotora de vendas Gleice Regina dos Santos perdeu o emprego após 1 ano e meio como contratada. Ela conta que a justificativa da empresa foi que não teria condições de pagar os funcionários que iriam ficar em casa após a interrupção das atividades. “Então agora tudo vai ficar mais difícil, pagar o aluguel e sustentar meus filhos de 3 e 7 anos. Sou responsável pela maior parte da renda”, afirma. O marido teve que fechar seu salão de cabeleireiro por causa da quarentena. Os dois agora contam com o que ainda têm no banco. Gleice já planeja não pagar o que deve no cartão de crédito – a dívida é de R$ 2,5 mil. “Vou cortar até a internet de casa. E os celulares só terão internet quando realmente precisar”, diz. Os passeios em família também estão suspensos. Ela afirma que só manterá o pagamento do aluguel e vai reservar uma parte para comprar comida, mas “só o básico”. “Os pedidos de costume como pizza aos finais de semana tive que cortar. Não vou mais pagar também a escola de balé da minha filha de 7 anos”, conta. O marido está há duas semanas sem trabalhar. "Ele está muito bravo, porque agora vai atrasar o pagamento de todas as dívidas do salão, as de antes e as próximas, incluindo aluguel e contas de água e luz. Ele improvisou um salãozinho no quintal de casa e está cortando um ou dois cabelos por dia”, diz Gleice. A família estava com viagem de férias programada para o Rio em agosto. "Estava tudo bem, e do nada aconteceu isso. A gente não esperava. Tomara que isso passe logo porque eu ganhava bem, salário mais comissões, fora vale-refeição em dinheiro”, lamenta.