Capa do álbum 'Rita e Roberto', de Rita Lee e Roberto de Carvalho Miro ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Rita e Roberto, Rita Lee, 1985 ♪ Em 2020, o coronavírus motivou Rita Lee a escrever letra, Vírus do horror, que gerou música punk. Há 35 anos, em 1985, outro vírus assustou a humanidade, o HIV, muso inspirador de Vírus do amor, música que abriu o álbum lançado pela cantora e compositora paulistana naquele ano de 1985. Imerso em atmosfera depressiva, o álbum Rita e Roberto – assim intitulado porque, de 1982 a 1990, Rita assinou todos os discos em dupla com Roberto de Carvalho, parceiro na música e na vida – interrompeu a sequência hegemônica de sucessos da artista na década de 1980. Em vez do rock pop e carnavalesco dos cinco álbuns anteriores, Madame Lee adotou tom dark em Rita e Roberto, mexendo na fórmula que já havia dado sinais de desgaste no então recente Bombom (1983), disco afogado no tecnopop que regeu os anos 1980. O tecnopop também reverberou no disco de 1985, como atestam as audições das faixas Choque cultural e Vítima, música – formatada com solo de guitarra do mutante Sérgio Dias – que ganharia projeção dez anos mais tarde ao ser propagada como tema de abertura da novela A próxima vítima (TV Globo, 1995). Só que o tom era outro. “Old bossa / New fossa”, avisou Rita nas rimas de Molambo souvenir, entre alusão a sucesso de Maysa (1936 – 1977) e evocação vocal do hobalalá de João Gilberto (1931 – 2019). É evidente que, embora bem recebido pela crítica, o álbum Rita e Roberto surtiu menor efeito popular pelo clima deprê, representando virada de disco (e de mesa) na carreira de artista que vinha dominando as paradas e os palcos. Dentro dessa atmosfera deprê, Rita tirou alguns sarros em repertório que contabilizou nove músicas então inéditas. Yê Yê Yê fulminou estrelas artificiais do pop dos anos 1980. Faixa com bom polimento pop, Noviças do vício perfilou as celebridades ocas da época. Já Não Titia foi petardo certeiro disparado contra Ezequiel Neves (1935 – 2010), jornalista, compositor e produtor musical que Rita acreditava ter sido o disseminador do boato de que a roqueira estava com leucemia. Das nove músicas do álbum, oito ostentaram a assinatura do casal Rita Lee e Roberto de Carvalho. A exceção foi Nave Maria, parceria de Roberto de Carvalho com Caetano Veloso, autor da letra que embutiu referências religiosas. Efeito de desgaste na vida pessoal da artista, então às voltas com internações para se livrar do vício em drogas (embaraços que levaram a gravadora Som Livre a improvisar em 1984 o disco de remixes Rita hits para a cantora ganhar tempo), o álbum Rita e Roberto encenou suicídio surrealista em Gloria F, faixa que perfilou a personagem-título em gravação que aglutinou no coro Paula Toller e Herbert Vianna (também na guitarra). Rita Lee segurou a onda deprê do álbum por pouco tempo. Após o disco, a cantora saiu da gravadora Som Livre, onde ingressara em 1975 para viver a década áurea da carreira fonográfica, e migrou para a EMI, companhia por onde lançou, dois anos depois, Flerte fatal (1987), álbum em que retomou com Roberto o tom pop rock carnavalesco de antes e reconquistou (por breve período) um lugar nas paradas com o hit Pega rapaz. Outros discos vieram, com e sem Roberto de Carvalho. Mas nenhum tão dark como álbum de 1985. Produzido e arranjado por Roberto de Carvalho, o álbum Rita e Roberto ficou na história como (interessante) ponto dissonante na obra fonográfica de Rita Lee. Uma ovelha negra.