Yvonne Maggie Luiz Alphonsus Ao longo de quase nove anos escrevi semanalmente para o blog A vida como ela parece ser, no G1. Este nome é "(…) uma paródia ao título da coluna de Nelson Rodrigues 'A vida como ela é' do jornal 'Última Hora', iniciada em 1950 e que durou cerca de uma década. É sabido que Nelson Rodrigues escrevia diariamente sua coluna com a ajuda de casos rascunhados por amigos, anonimamente, em pedacinhos de papel deixados sobre sua mesa na redação do Jornal. Daqueles cacos de casos fazia suas crônicas. Longe de me comparar ao genial Nelson Rodrigues, achei boa a paródia porque vivemos hoje repletos de informações fragmentadas que nos chegam das inúmeras redes sociais e meios internéticos, além dos jornais, das revistas e das TVs. Transformar milhares de informações em crônicas simples da vida como ela parece ser seria meu desafio". Escrevi assim no meu primeiro post, no dia 1º de junho de 2011. Procurei ao longo desses anos seguir a trilha aberta pelo grande cronista e um de nossos mais brilhantes romancistas. Claro que meu treinamento como antropóloga me fez e faz escrever sobre como as coisas "parecem ser", pois para "relativizar" é preciso captar "o ponto de vista nativo" e descrever a visão de muitos interlocutores observando o familiar como exótico. Não falei sobre a vida como ela é como fez Nelson Rodrigues, autor que melhor descreveu a vida dos cariocas e dos brasileiros com seus dramas da vida cotidiana. Pois bem, tudo na vida acaba e esta será minha última crônica. Uma despedida que me dói, mas necessária. Sempre estarei participando da vida pública em outros fóruns e escrevendo em outros espaços, mas aqui não mais, infelizmente. Digo que foram anos riquíssimos especialmente porque como pesquisadora e professora universitária dediquei-me obstinada e obsessivamente a temas específicos, como religião, relações raciais e educação. Pesquisei incansavelmente sobre estes assuntos sempre acompanhada de uma equipe composta por jovens estudantes que formei ao longo dos mais de quarenta anos no IFCS/UFRJ. Escrever para o Blog foi um trabalho mais solitário embora o alcance tenha sido maior, atingindo um público fora dos ambientes acadêmicos. Não imaginava poder contribuir como fiz com crônicas que me levaram a conhecer o Complexo do Alemão um ano depois da ocupação e da "pacificação" em junho de 2011, subir as ladeiras estreitas da Vila da Penha onde foi assassinado o grande e inesquecível jornalista Tim Lopes e conhecer o campo de futebol onde o jogador Adriano, o Imperador, deu seus primeiros chutes até chegar ao estrelato no Flamengo. E, também, ver a alegria do Complexo do Alemão e subir os degraus da Igreja da Penha livremente com a minha equipe de pesquisa. A crônica foi um dos momentos importantes na minha carreira de "blogueira", um passo entre a pesquisa de campo e a pesquisa jornalística. Outro momento muito importante para o blog e para mim foi quando da notícia do assassinato de Diego, um jovem estudante da UFRJ, no campus do Fundão em 2015. Instigada por meu amigo Peter Fry, fomos eu e ele, em uma espécie de jornalismo investigativo, desvendar o que havia acontecido. O brutal assassinato estava sendo visto como morte provocada por homofobia, o que na minha visão escondia outras dimensões da tragédia. A partir dos depoimentos dos amigos de Diego, que viviam como ele no mesmo alojamento e como ele eram todos pobres, reconstituí sua extraordinária biografia, exposta em uma das minhas crônicas. O crime não foi desvendado até hoje e os assassinos, como em metade dos das mortes violentas no país, permanecem impunes. Ao lado dos muitos posts sobre direitos humanos, segurança pública, religião, intolerância religiosa, racismo, educação e outros temas, não deixei de me posicionar sobre as consequências danosas da política de cotas raciais, as quais, na minha opinião, produzem mais danos do que benefícios. O tema vem sendo objeto de minhas dolorosas preocupações desde o início do século XXI. Um dos posts mais lidos foi o que escrevi recentemente sobre a comissão de heteroidentificação da UFRJ. Esses são alguns exemplos das crônicas que fiz e que foram importantes para mim e talvez para alguns leitores com os quais, graças às redes sociais, mantenho contato regular. Em tempos de guerra ao vírus que atacou o planeta, as coisas simples da vida e que nos são tão caras e concretas não deixam de fazer parte dos nossos pensamentos enquanto a peste propriamente parece uma abstração, como nos diz Albert Camus, escritor argelino, no seu livro "A peste", o qual reli (junto com milhares de outras pessoas pelo planeta afora nesses dias) para sair do meu tempo: "Logo depois, o médico balançou a cabeça. O jornalista tinha razão na sua impaciência de felicidade. Mas teria razão quando o acusava? 'O senhor fica na abstração.' Seriam realmente abstração esses dias passados no hospital, onde a peste se saciava em dobro, elevando a quinhentas a média de vítimas por semana? Sim, havia na desgraça uma parte de abstração e de irrealidade. Mas quando a abstração começa a nos matar, é necessário que nos ocupemos da abstração." Agora, na hora da despedida do blog A vida como ela parece ser, só tenho a agradecer à excelente equipe de editores e técnicos do G1, sempre cooperativa e amável, que me ajudou a superar meus limites da era da informática e aos diretores de jornalismo da TV Globo que me convidaram, me incentivaram e me deram grande oportunidade de expressar livremente meu pensamento sobre os mais variados temas. Senti o prazer e a responsabilidade de participar, com o meu blog, na plataforma digital mais importante e mais lida do país. Aos meus leitores e aos muitos amigos que me deram dicas, se dispuseram a me dar informações e entrevistas, me enviaram fragmentos de histórias que contei aqui e me ajudaram em momentos difíceis, não tenho como não dizer obrigada e até.