No 11º disco, primeiro em 7 anos, banda se atualiza com músicas pesadas sobre política e crise climática, mas também baladas sobre envelhecimento, morte e esperança; ouça podcast. "Gigaton", primeiro disco do Pearl Jam em sete anos, não disfarça a passagem do tempo. A banda está em compasso com a atualidade, seja em músicas raivosas sobre política e um planeta sombrio, seja em reflexões sobre o envelhecimento. O quinteto joga com empenho em campos que já domina – riffs do Who e baladas à Neil Young – e se arrisca em outros terrenos – pós-punk do tipo Talking Heads. Tudo se amarra por um contrabaixo especialmente forte, que traduz a unidade de força explosiva do título do álbum. Escute acima o podcast G1 Ouviu sobre o novo disco do Pearl Jam e o legado do grunge. Pearl Jam Divulgação O empenho é notável, mesmo que às vezes falte inspiração ou sobre pose de guru para Eddie Vedder, que esbarra no esoterismo. Mas o saldo é positivo. Só de chegar ao 30 anos de carreira e ao 11º disco com formação quase intocada e ao menos parte da energia inicial, é um feito. Na força do ódio Uma parte de "Gigaton", especialmente o início, é movida pela força do ódio. Aqui predominam as guitarras que emulam The Who, presentes em toda a carreira da banda, mas ainda mais claras no disco. A voz de Vedder, aos 55 anos, soa bem no disco (mais no sentido punk, expressiva e raivosa, do que na afinação perfeita de uma era pós-The Voice da qual a banda passou ao largo). As duas primeiras músicas, "Who ever said" e "Superblood Wolfmoon", são bons exemplos. A primeira tem guitarras da escola Pete Towshend, mas faz referência a outro clássico da época, "Satisfaction" dos Rolling Stones. A segunda segue na mesma linha musical, mas a letra cai para o tal lado esotérico, citando um fenômeno lunar e com o vocalista contemplativo: "Essa vida que eu amo esta passando muito rápido". Mas é na primeira faixa de trabalho, "Dance of the clairvoyants", que eles vão mais longe, além do rock clássico, do grunge e do punk – mais exatamente, no pós-punk, com baixo pulsante e Vedder cantando sobre "os números que não param de cair do calendário". Gritos políticos Nas letras, o principal alvo dos gritos de Vedder é o presidente dos EUA. Era algo até esperado, já que este é primeiro álbum do Pearl Jam após a eleição de Donald Trump. Ele é citado direta ou indiretamente em várias faixas. A capa menciona a crise climática, com uma geleira derretendo. Capa de 'Gigaton', do Pearl Jam Divulgação No country rock arrastado "Seven o'clock", Eddie cita líderes indígenas e chama o presidente de "m*rda em exercício". Na bela faixa de encerramento "River cross" ele fala de um governo que "mente e lucra enquanto nosso desejo desaparece". Mas o golpe mais direto é em "Quick escape", faixa pesada com coros tipo U2, em que ele canta que "procura um lugar que Trump ainda não tenha destruído". Eddie messias Vedder Além das faixas pesadas, o recheio do disco tem toques de folk e baladas reflexivas. Há um toque de esperança no meio do cenário difícil. Nessas, o disco perde um pouco de fôlego – as músicas em geral são longas, com 12 faixas em um total de quase uma hora. Eddie Vedder assume o tom de um messias de boas e más notícias. "Buckle up" tem dedilhado esquisito, um fundo macabro e os versos: "Tenho sangue em minhas mãos", "apertem os cintos". Já em "Alright", a mais Neil Young de todas, o profeta dá um alívio para tempos difíceis: "É ok dizer não, é ok ser uma decepção na sua casa, é ok desaparecer, ficar sozinho" etc. Pearl Jam encerra apresentações do segundo dia do Lollapalooza 2018 sob o comando do vocalista Eddie Vedder Marcelo Brandt/G1 Sobrevivente do grunge "Comes and goes" – cuja melodia lembra "It's all over now, baby blue", de Bob Dylan – segue na toada reflexiva com versos sobre um amigo que morreu – a banda nem é tão velha, mas é de uma geração assombrada por fins precoces, de Kurt Cobain a Chris Cornell. O disco termina bem, com duas faixas mais lentas com melodias bonitas: "Retrograde" e especialmente "River cross" (símbolo comum para a travessia do fim da vida), com Vedder trovador e batida simples e graves que deve funcionar ao vivo. O Pearl Jam conseguiu se renovar e seguir relevante, e fez isso sem fingir juventude nem ignorar que estamos em 2020.