Capa do álbum 'Traço de união', de Beth Carvalho Arte de Elifas Andreato ♪ DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Traço de união, Beth Carvalho, 1982 ♪ Em 1982, Beth Carvalho (1946 – 2019) mudou o disco. Sem sair do nobre quintal do samba carioca, a cantora arriscou álbum diferente dos discos que vinha fazendo, colhendo na fonte os melhores frutos dos pagodes. Traço de união foi álbum nascido do sonho de concretizar um sonho. Sim, Beth sonhou que dava voz a parcerias inéditas de compositores até então dissociados uns dos outros no universo musical brasileiro. E foi atrás da realização do sonho, juntando compositores da MPB com bambas do samba para promovendo parcerias inusitadas como a de Luiz Carlos da Vila (1949 – 2008) com Fátima Guedes – que ofereceram Presente da natureza – e como a de Caetano Veloso com Ivone Lara (1922 – 2018), criadores de Força da imaginação, único samba mais conhecido de repertório pouco difundido. O samba que dá título ao disco, Traço de união, foi a primeira parceria de João Bosco com Martinho da Vila, compositores que bisariam a parceria quatro anos mais tarde com Odilê, Odilá (1986). Produzido por Rildo Hora dentro dos moldes habituais da obra fonográfica de Beth, Traço de união é dos títulos menos ouvidos da coesa discografia da cantora, embora a artista vivesse na época um período de auge artístico e comercial iniciado com a explosão do álbum De pé no chão (1978). Com menor apelo popular, o disco preserva o alto padrão de qualidade da obra fonográfica da artista. Basta ouvir o lírico samba-canção Camarim, parceria de Cartola (1908 – 1980) com Hermínio Bello de Carvalho que ganharia a voz de Elizeth Cardoso (1920 – 1990) em show com o violonista Raphael Rabello (1962 – 1995) perpetuado no disco ao vivo Todo o sentimento (1991). Coração poeta bateu feliz, contrariando a melancolia geralmente entranhada no cancioneiro de Nelson Cavaquinho (1911 – 1986), unido por Beth em parceria com Paulinho Tapajós (1945 – 2013). O partido alto Enquanto a gente batuca juntou Ivan Lins com os letristas Vitor Martins e Nei Lopes com a aguçada consciência social que caracterizava as respectivas obras destes compositores. Belos sambas, Disfarce (Noca da Portela e Edmundo Souto) e Meu reino (Toquinho, Almir Guineto e Luverci Ernesto) também sobressaíram no disco, mostrando que as parcerias soavam naturais, embora abertas por sugestão de Beth Carvalho. Instinto (Wilson Moreira e Sérgio Cabral), Lua vadia (Guilherme de Brito e Gracia do Salgueiro) e Mestre coração (Monarco e Dalmo Castelo) soaram menos sedutores sem destoar do conjunto harmonioso do disco. Encerrado com Vou deixar pra amanhã (João Nogueira, Maurício Tapajós e Aldir Blanc), Traço de união se ressentiu da falta de um samba arrasta-povo como tantos gravados por Beth Carvalho em álbuns anteriores. Ainda assim, é disco que conjugou o bom gosto da cantora com a obstinação de ir atrás de um sonho para concretizar a força da imaginação.