Profissionais de saúde da UPA Noroeste fazem parte da campanha pedindo isolamento para evitar coronavírus em Goiás Goiânia Divulgação/SMS Goiânia As notícias chegavam na velocidade do século XXI e em pouco mais de um mês declarou-se a Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, como pandemia. As pessoas não estavam ainda acostumadas com o nome do vírus e muitos nem sabiam o que era pandemia. Em pouco tempo as palavras foram ficando corriqueiras e já se falava nelas com desenvoltura. Mas a doença mesmo, o vírus mortal, para espanto de todos não era muito conhecido. Alguns diziam não ser tão virulento, uma simples gripe. Outros espalhavam tratar-se de uma arma biológica para matar os chineses. Muitos disseram que Jesus salvaria. E tudo acontecia para a maioria das pessoas na tela da TV, não muito real, mas o noticiário informava não ser de forma alguma uma simples gripe e Jesus não salvava. O remédio, pois não havia remédio e muito menos vacina, era o isolamento. Era não sair às ruas a não ser por extrema necessidade. De repente, o primeiro caso no Brasil e, em proporção geométrica, a doença foi se espalhando, silenciosamente, pelas duas maiores cidades do nosso país. As autoridades da saúde, inclusive o ministro, davam diariamente notícias em entrevista coletiva. Eram sérios e buscavam conscientizar a população sobre o perigo instalado e sobre o que estava por vir. As notícias foram a cada dia mais alarmantes até que a maior emissora do país abriu a TV paga para todos os telespectadores e, durante seis horas seguidas, epidemiologistas, pneumologistas, cientistas dos maiores centros de pesquisa brasileiros debateram o tal novo coronavírus e a Covid-19. Herdeiros de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas, nossos médicos e cientistas da saúde pública conhecendo a história das epidemias desde o início do século XX, quando seus mestres se impuseram na luta contra a febre amarela no Rio de Janeiro, haviam aprendido a falar com a população e a informá-la, trocando em miúdos a complexidade da situação. Participaram também do debate os governadores e prefeitos dos dois estados e das duas cidades mais atingidas até aquele momento e também a equipe do Ministério da Saúde. Foi uma aula inacreditável e assustadora. Durante aquela semana de março de 2020 na qual o estado calamitoso se foi desenhando, os cariocas nem de longe pareciam tocados pelo perigo. No final de semana anterior àquela aula do medo, as praias se encheram de gente, de pessoas amontoadas com seus aparelhos de som tocando de funk a MPB e rock a pagode, tudo junto e misturado como é da nossa cultura, mas contrariando as normas que haviam sido discutidas, as regras do isolamento social. Ninguém sabia muito bem o que era isso. Ninguém parecia ter entendido exatamente o que significavam as restrições sociais já, naquela altura, aplicadas em alguns países europeus. O medo vinha do norte da Itália com os hospitais cheios de infectados pelo vírus, os quais tinham como única solução a ventilação mecânica nos casos mais graves. Centenas morreram em centros de tratamento intensivo. A morte não era uma festa, nem era possível acompanhar os entes queridos na agonia do CTI e menos ainda velar os mortos no sepultamento. A ficha dos brasileiros foi caindo aos poucos. Para mim, havia caído depois da aula dos epidemiologistas quando de manhã o telefone tocou e era meu cunhado médico. Achei que fosse me dar a notícia de algum amigo com a nova peste. Não era, tudo ainda estava bem, mas ele queria me dizer com toda a gravidade que eu não poderia mais ficar com Dante, meu netinho de três anos. Parei de respirar por um segundo. O coração bateu mais forte e as lágrimas rolaram sem parar. Isso era o isolamento. Não adiantava lavar as mãos como pensei ter ensinado a Dante, que ao ouvir a conversa dos adultos sobre o fato de Preta Gil ter sido contaminada pelo coronavírus perguntara: "Por que? Ela não lavou as mãos vovó?". Era preciso isolar-se de Dante para protegê-lo e a mim também. Ficar em casa, não sair à rua. Pronto. O isolamento social significava uma parada na vida, uma suspensão dos abraços, dos encontros, do aperto de mão, tão fundamentais para a existência humana como o ar que respiramos. Restava-nos o celular e a maravilhosa cobertura da TV Globo que em um gesto inédito decidira parar a gravação da novela das nove, e outras, para evitar o contato entre os atores e técnicos e os abraços e apertos de mão presentes na narrativa da telenovela, e também para ensinar o que é o isolamento e o que teríamos pela frente. A loucura maior veio do presidente para horror da maioria dos brasileiros. Minimizou a pandemia, saiu para o abraço e selfies com apoiadores em manifestação na porta do Palácio do Planalto, em absoluto desrespeito às normas impostas pelo seu próprio ministro da saúde. Criticado, acusou a mídia de espalhar o pânico e frisou que se ele pegasse a doença o problema seria dele. Não entendera nada, era violento e, para dizer o mínimo, insensível à dor dos outros. Em um tempo em que o convívio social teve de ser suspenso para preservar a própria vida, saltava aos olhos a necessidade e importância da mídia profissional e a urgência de mais pesquisas científicas para combater o inimigo que nos afrontava e não era uma nação, nem um indivíduo, mas um vírus invisível que atacava principalmente os velhos e os doentes. O sistema de saúde de várias partes do mundo não suportava tantos pacientes ao mesmo tempo. Os italianos, no confinamento, foram para as janelas e cantaram para fazer com que esse tempo de obrigação tão desumana e tão necessária passasse mais rápido. Os espanhóis tocavam instrumentos e até jogavam bingo, nas varandas de seus apartamentos, cada um na sua. Transformaram o abraço em música que ecoou pelo mundo nas telas das TVs e por meio dos milhares de celulares. Houve também palmas nas janelas para agradecer as equipes de saúde que incansavelmente lutavam para aliviar o sofrimento dos doentes. Os brasileiros, iniciando sua jornada de enfrentamento à doença, ainda sem aquilatar a extensão do drama desenhado, certamente criariam seu abraço coletivo e conseguiriam superar a pandemia e a estreiteza do cérebro do seu presidente