Aos 50 anos, artista mostra a fluente produção autoral em 'Arte do povo', disco que tem participações de Moacyr Luz e Zeca Pagodinho. Capa do álbum 'Arte do povo', de Mingo Silva Ilustração de Elodie Calaze Resenha de álbum Título: Arte do povo Artista: Mingo Silva Gravadora: Biscoito Fino Cotação: * * * * ♪ “Arte popular do nosso chão”, como sentenciaram em 1986 os poetas Acyr Marques (1953 – 2019) e Jorge Aragão em versos do hino dos pagodes Coisa de pele, o samba resiste. “O tempo envelhece e o samba permanece novo”, emenda Mingo Silva – contradizendo a noção de tempo defendida por Caetano Veloso em Força estranha (1978) – no verso que arremata Arte do povo (Paulo Franco, Anderson Baiaco e Mingo Silva), composição que dá nome ao primeiro álbum solo de Mingo. O disco Arte do povo está sendo lançado em CD e em edição digital neste mês de março, pela gravadora Biscoito Fino, com capa que expõe o artista em ilustração de Elodie Lacaze. Mingo Silva é o nome com o qual se apresenta há anos nas rodas o cantor, compositor e percussionista fluminense Domingos José da Silva Neto, natural de Niterói (RJ). Aos 50 anos, completados em fevereiro, Mingo bate ponto às segundas-feiras na roda carioca Samba do Trabalhador, comandada por Moacyr Luz. Mingo foi o último a entrar no grupo de trabalhadores, como conta Luz em texto avalizador escrito para a contracapa interna da edição em CD do álbum Arte do povo, mas logo abriu espaço na roda pelo canto de timbre ancestral, que remete aos pioneiros bambas negros, e pela produção fluente de repertório autoral. Essa fluência salta aos ouvidos na sequência de 12 sambas da lavra do artista, apresentados entre as 14 faixas do álbum produzido por Alessandro Cardozo com arranjos divididos entre Rildo Hora, Paulão Sete Cordas, Rafael dos Anjos, Carlinhos Sete Cordas e o próprio Alessandro Cardozo (duas das 14 músicas do disco são criações alheias). Convidado a dividir com Mingo o canto de Devagar, coração (Eduardo Chaves, Mingo Silva e André da Silva), samba que destila melancolia com elegância, Zeca Pagodinho detecta com sagacidade um eco de velha guarda na composição. A propósito, Formosa (Anderson Baiaco, Mingo Silva e Alexandre Chacrinha) espalha o aroma de flores que parecem colhidas no jardim lírico-melódico de Monarco. Mingo Silva canta samba dolente, partido alto e até samba de aboio no álbum solo 'Arte do povo' Divulgação Mesmo sem delinear assinatura própria na roda como compositor, Mingo Silva se mostra à vontade em vários tons de samba ao longo do disco. O artista expia sofrência na cadência dolente do desiludido samba Homem que chora (Diogo Almeida e Mingo Silva), se declara para cabrocha mangueirense na cadência do partido alto Amor verde e rosa (Mingo Silva) – com direito a versos encaixados ao fim por parceiros como Alexandre Chacrinha, Anderson Baiaco, Juninho Thybau e Mosquito – e finca o pé no terreiro em Povo do Ayê (André Jamaica, Mingo Silva e Luis Caffé), saudando orixás e ancestrais com a força da negritude no fecho do disco. Antes do fim apoteótico, Flor da lua (Mingo Silva e Anderson Baiaco) desabrocha com as cores vivas de samba de roda à moda carioca e com a adesão vocal de Moacyr Luz, orgulhoso padrinho artístico do anfitrião. Sucesso nas rodas cariocas pelo refrão afogueado, É lenha! (Nego Álvaro, Mingo Silva e Mosquito) mostra que os trabalhadores do samba também colheram frutos na quadra do Cacique de Ramos, quintal que nos anos 1980 projetou bambas como Arlindo Cruz, Sombrinha e o já mencionado Zeca Pagodinho. Brisa amena (Ferreira e Mingo Silva), Final do infinito (Raul DiCaprio, Mingo Silva e Chiquinho Vírgula) e Gira (Flávia Uva, João Martins e Mingo Silva) – samba cantado por Mingo com o parceiro João Martins – atestam que os quintais continuam dando saborosos frutos. Fora da seara autoral, Mingo acerta ao perfilar Rei da madrugada (Wanderley Monteiro e Luiz Carlos Máximo) – samba de levada aliciante – e Boiadeiro Navizala (Ivan Milanês e Edmar Silva), samba de aboio fincado na Serrinha, território de tradições rítmicas como o jongo. Reverenciando tradições que sempre se renovam, Mingo Araújo faz no álbum Arte do povo um samba que nunca envelhece, a despeito do tempo que não para.