Censurada na década de 1970, 'Feto, poeta do morro' ganha vida em single de Pedro Luis. Capa do single 'Feto, poeta do morro', de Pedro Luís Divulgação Resenha de single Título: Feto, poeta do morro Artista: Pedro Luís Composição: Luiz Melodia Gravadora: Deck Cotação: * * * * ♪ Tão logo entrou em cena no início dos anos 1970, mostrando que um negro criado no morro podia atravessar a fronteira do samba em direção a todos os ritmos do universo pop, Luiz Melodia (7 de janeiro de 1951 – 4 de agosto de 2017) entrou na mira da censura que vigiava a produção artística do Brasil na época. Lançado na voz de Gal Costa em 1971, o compositor carioca teve inicialmente vetadas músicas como Farrapo humano (1972) e Presente cotidiano (1973). Com o famoso jeitinho brasileiro, o produtor e empresário Guilherme Araújo (1936 – 2007) conseguiu a liberação de várias composições proibidas do artista. Sem ter o mesmo destino libertário, talvez por conta da atmosfera densa da letra, Feto, poeta do morro – composição da safra inicial de Melodia – permaneceu vetada e esquecida pelo próprio autor, mesmo após o fim da censura. Apresentada a Pedro Luís pela viúva de Melodia, Jane Reis, Feto, poeta do morro renasce em single lançado nesta sexta-feira, 6 de março de 2020, 47 anos após o lançamento do antológico primeiro álbum do Poeta do Estácio, Pérola negra (1973), para o qual a música foi presumivelmente composta (embora a imagem da letra datilografada por Melodia com o carimbo da censura sugira que o veto, ou um dos vetos, ocorreu em 1974). Seja qual for a data exata da criação da música, Feto, poeta do morro é pérola negra com o brilho inicial da obra de Luiz Melodia. Produzida por Rafael Ramos, a reluzente gravação de Pedro Luís ajuda a mostrar o brilho de composição que capta o clima de medo e morte que pesava o ar no Brasil dos anos 1970. O arranjo efervescente traduz a agitação da escrita do poeta e valoriza o single. Cantando sobre “o sangue que banha a Guanabara”, Pedro Luís – ele próprio um cronista carioca das mazelas e maravilhas contemporâneas do Rio de Janeiro – cita politicamente e sagazmente verso da marcha Cidade maravilhosa (André Filho, 1934), após cantar duas vezes a letra de Feto, poeta do morro, mas sem brincar o Carnaval porque há muitas barrigas nos morros do nosso Brasil. Barrigas vazias, cheias de fome e de esperar pelo país do eterno futuro. Mas também cheias de arte e da arte da sobrevivência, pois, como sentencia o bamba do Estácio nesta música inexplicavelmente esquecida por Luiz Melodia, de “cada barriga um poeta sorriu”.