Álbum produzido por Nelson Motta continua relevante, tendo contribuído na época para rejuvenescer o som e a imagem da cantora. ♪ MEMÓRIA – As transformações do universo pop na efervescente segunda metade da década de 1960 aconteciam com tanta velocidade que, em 1969, Elis Regina Carvalho Costa (17 de março de 1945 – 19 de janeiro de 1982) já corria o risco de soar como cantora ultrapassada na cena musical brasileira. Elis – verdade seja dita – contribuiu para tangenciar esse status nada agradável ao demorar a aceitar o apelo pop do cancioneiro de Roberto Carlos e Erasmo Carlos e, sobretudo, ao se voltar em um primeiro momento contra as liberdades estéticas promovidas pela Tropicália. Basta lembrar que o nome da cantora gaúcha encabeçou elenco que se reunira em 1967 na risível passeata contra a guitarra elétrica. Em defesa de nacionalismo musical já inconcebível em universo pop em contínua ebulição, com a explosão do soul e do rock reverberando no Brasil, Elis marchou contra a evolução irrefreável da música e da própria vida. Tanto que, menos de cinco anos após ter sido em 1965 a sensação da MPB que brotava na plataforma inflamada dos festivais, Elis já ameaçava soar antiga, deslocada do próprio tempo. Foi salva por Nelson Motta, arquiteto de um álbum, …Em pleno verão, que atualizou o som e a voz de Elis em 1970. Produzido por Motta com arranjos do maestro e pianista paulistano Erlon Chaves (1933 – 1974), o disco completa 50 anos em 2020 com a plenitude de 1970. Álbum quente, solar, exteriorizado, …Em pleno verão amplificou a voz de Elis a reboque de grande sucesso radiofônico, Vou deitar e rolar (Quaquaraquaquá) (Baden Powell e Paulo César Pinheiro, 1970). A cantora caiu no suingue desse samba aliciante e quebrou tudo. Inclusive as paradas. Sim, Elis teve motivo para rir da concorrência em 1970, ano em que também estourou com a gravação de Madalena (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza), samba cheio de soul que lançou posteriormente em single dissociado do álbum. Contudo, a importância de …Em pleno verão extrapola os sucessos gerados pelo álbum. No disco, a ex-atacante da Tropicália se reconciliou musicalmente com Caetano Veloso e Gilberto Gil, fornecedores de duas músicas, Não tenha medo e Fechado para balanço, respectivamente, que captaram o clima tenso de época em que alguns artistas tinham o aeroporto como a única forçada saída. Caetano e Gil, entre eles. Em 1970, o cerco se fechava enquanto o Brasil se abria para o soul nacional de Tim Maia (1942 – 1998), cantor com quem Elis duelava na música These are the songs, da lavra então jovial de Tim. Havia também, em dose dupla, Jorge Ben, este reconciliado com o público do Brasil a partir de consagrador álbum de 1969. Elis, que já vinha cantando Zazueira (1967), registrou duas músicas de Ben no disco. Bicho do mato (1964) e a então inédita Até aí morreu Neves (1970) não figuram entre os alicerces da obra do compositor, mas contribuíram para dar frescor ao verão de Elis. E como havia frescor na abordagem meio roqueira, meio blueseira, de As curvas da estrada de Santos (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1969), clássico instantâneo lançado no ano anterior por Roberto!! Era Elis correndo atrás do tempo perdido e da modernidade que já pautava a discografia de Gal Costa, a cantora mais aclamada de 1969. Comunicação (Edson Alencar e Hélio Matheus), Copacabana velha de guerra (Joyce Moreno e Sergio Flaskman), Frevo (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1959) e Verão vermelho (Nonato Buzar) – em gravação diferente da veiculada na trilha sonora da homônima novela exibida pela TV Globo naquele ano de 1970 – completaram o repertório de caloroso álbum que rejuvenesceu Elis Regina aos olhos e ouvidos do público. Um disco que, 50 anos depois, continua pleno de sentido como no verão de 1970. A receita seria aprimorada no álbum seguinte, Ela (1971), também produzido por Nelson Motta, mas foi com o disco …Em pleno verão que Elis Regina provou que, não, não estava ultrapassada.