Carisma do ator não é suficiente para esconder problemas de direção e roteiro. Animais são dublados por Rami Malek, Tom Holland, Emma Thompson e Octavia Spencer. Depois de se consagrar como Tony Stark e Sherlock Holmes, parecia que Robert Downey Jr tinha encontrado a fórmula para gerar franquias de sucesso. Mas o nova-iorquino de 54 anos não se sai tão bem em "Dolittle", volta aos cinemas do médico que conversa com os animais. A comédia estreia no Brasil nesta quinta-feira (20). A nova versão, inspirada nos livros de Hugh Lofting, está mais ligada ao universo do musical "O Fabuloso Doutor Dolittle", em 1967. A ligação com o médico vivido por Eddie Murphy em 1998 e 2001 é muito menor. Assista ao trailer dublado de 'Dolittle' John Dolittle (Downey Jr) vive recluso em sua reserva de preservação de animais na Inglaterra depois da morte de sua esposa, Lily (Kasia Smutniak). Seus companheiros são o gorila covarde Chee-Chee, o papagaio Sally, o avestruz Plimpton, a pata Dab-Dab, o cão Jip, e mais bichos. Ele recebe a visita de Lady Rose (Carmel Laniado), uma emissária da Rainha Victoria (Jessie Buckley, de "Judy: Muito Além do Arco-Íris"), que pede para que ele vá ao Palácio de Buckingham e descubra como curá-la de uma misteriosa doença. Dolittle aceita o convite e descobre que a única maneira de salvar a rainha é encontrar uma árvore, cujo fruto seria capaz de impedir que a soberana acabe falecendo. O problema é que a árvore fica numa ilha misteriosa. Mesmo assim, o médico decide partir em uma jornada com seus amigos animais para encontrar um livro e o caminho para se chegar à ilha. O Dr. Blair Müdfly (Michael Sheen, de "A Saga Crepúsculo" e da série "Masters of Sex") não quer que o médico consiga o seu objetivo. O Rei Rassouli (Antonio Banderas) comanda a região onde fica o livro e também não quer o sucesso do protagonista. Dr. Dolittle (Robert Downey Jr.), Tommy Stubbins (Harry Collett) e seus amigos animais numa cena de 'Dolittle' Divulgação Viagem nada fantástica O principal problema de "Dolittle" está no fato de que o filme falha em causar fascínio. Poucas vezes o humor funciona e dá a sensação de que as filmagens foram caóticas. Nem mesmo a edição das cenas conseguiu dar coesão ou tornar a trama mais interessante. Boa parte da culpa vai para o diretor e roteirista Stephen Gaghan, de "Syriana – A Indústria do Petróleo", que deu um Oscar de Ator Coadjuvante para George Clooney em 2006. O cineasta demonstra que tem uma mão pesada para tratar de histórias fantásticas e nunca consegue dar sutileza ao roteiro. Além disso, demonstra não ter muita afinidade com cinema de aventura: ele torna a viagem de Dolittle e seus amigos pouco animada. As cenas que mostram a jornada marítima deles não são divertidas e parecem deixar a história ainda mais arrastada. Quase nada acontece. Na tentativa de fazer rir, Gaghan apela para um humor questionável, em que os personagens acabam fazendo piadas sobre flatulências. Um deles até mostra o traseiro para o protagonista, sem tanto sentido. Pode até alegrar os novinhos, que gostam deste tipo de brincadeira. Mas tudo isso atesta a falta de criatividade e sensibilidade do diretor. O roteiro, de Gaghan, Dan Gregor, Doug Mand e Chris McKay (de "Lego Batman") também não funciona. Ele não desenvolve as situações, além de ter diálogos cheios de clichês. Tudo parece forçado e artificial, sem naturalidade. Dr. Dolittle (Robert Downey Jr.) conversa com o cão Jip (voz de Tom Holland) em 'Dolittle' Divulgação Só a fotografia salva Orçado em aproximadamente US$ 175 milhões, "Dolittle" até chama a atenção visualmente com sua bela fotografia, assinada por Guillermo Navarro, habitual colaborador de Guillermo Del Toro em filmes como "O Labirinto do Fauno" ou "Círculo de Fogo". Só que, mesmo com todo esse dinheiro, os efeitos especiais são apenas comuns. Os animais criados por computação gráfica têm movimentos artificiais demais. Além disso, falta peso para os bichos, que não fazem barulho quando colocam as patas no chão, por exemplo. Em outras cenas, o uso de efeitos sonoros é bem aquém do esperado para uma produção deste tamanho. Pelo menos, o filme se beneficia de um ótimo elenco de astros dublando os animais. Temos Rami Malek (Chee-Chee), Tom Holland (Jip), Emma Thompson (Sally), Octavia Spencer (Dab-Dab), Ralph Fiennes (o tigre Barry), Selena Gomez (a girafa Betsy), Marion Cotillard (a raposa Tutu), Kumail Nanjiani (o avestruz Plimpton) e John Cena (o urso polar Yoshi). Embora nenhum deles desaponte na dublagem, não há grandes destaques dramáticos ou cômicos para eles. Mesmo assim, vale ver a versão legendada para ouvir as vozes das estrelas. Robert Downey Jr. numa cena de 'Dolittle' Divulgação Elenco 'humano' desperdiçado No meio desta confusão zoológica, Downey Jr. (também produtor executivo) faz o possível para tornar seu protagonista interessante. Embora erre o tom na primeira parte do filme, exagerando nas caras e bocas, vai lentamente colocando seu Dolittle nos eixos. O ator chega a dar a Dolittle uma referência a Charles Chaplin, numa cena em que coloca seu chapéu da maneira que fez no filme em 1992, pelo qual foi indicado ao Oscar. Ele também buscou replicar a relação entre Tony Stark e Peter Parker, que fez sucesso nos filmes da Marvel. Mas o jovem Harry Collett, que vive um aprendiz tentando entender como falar com os animais, não tem o talento de Tom Holland. A parceria é pouco convincente. Antonio Banderas vive o Rei Rassouli em 'Dolittle' Divulgação O resto do elenco "humano" já viveu experiências melhores no cinema. Antonio Banderas fala como se fosse um tigre rugindo, mas é pouco aproveitado. Se não fosse uma certa reviravolta da história, o personagem teria ainda menos sentido. Michael Sheen não consegue tirar seu vilão da caricatura. Há até risada maquiavélica e só faltou ele esfregar as mãos quando um plano dá certo. Mais irrelevante, Jim Broadbent (vencedor do Oscar de Ator Coadjuvante por seu papel em "Iris", de 2002) surge como uma espécie de conselheiro da Rainha Victoria. "Dolittle" é um daqueles filmes que só deve funcionar bem para espectadores muito pequenos, que estão começando a conhecer o cinema e até vão curtir os animais digitais falantes. Mas, provavelmente, vai deixar o resto do público entediado com a falta de graça e a sensação de estar assistindo a uma bagunça cinematográfica. Talvez fosse melhor se Robert Downey Jr. pedisse umas dicas para Eddie Murphy sobre como falar com os bichos e deixar tudo mais engraçado. Aí, o resultado final teria melhores chances.