IPO do Pinterest no ano passado: a empresa conseguirá resistir a uma eventual ofensiva do Facebook? (Brendan McDermid/Reuters)
Há dois anos, o Facebook virava assunto ao lançar a ferramenta Stories, para publicação de imagens divertidas que ficavam no ar somente 24 horas e seriam exibidas separadamente ao feed tradicional do Instagram. O caso, com razão, revoltou o Snap, companhia cujo principal app, o Snapchat, era 100% baseado em uma ferramenta bastante parecida e que começava a ganhar popularidade mundial na época.
Nesta semana, um caso parecido voltou a acontecer, mas desta vez o alvo é um produto da rede de imagens Pinterest. O Facebook liberou na iOS Store, loja de aplicativos da Apple, um aplicativo batizado de Hobbi. Inspirado na palavra hobby, ou atividades que alguém considera interessantes e faz com frequência, o app instiga o usuário a compartilhar imagens de seus hobbies e projetos pessoais na rede e organizá-los em coleções. Um dos motes usados na divulgação do produto é “o app para seus projetos pessoais”.
O primeiro veículo a notar o lançamento do app e a semelhança com o Pinterest foi o site americano The Information, especializado em tecnologia. Por enquanto, a ferramenta está disponível somente para celulares iPhone. As primeiras resenhas na ferramenta na página da iOS Store, da Apple, datam desta quinta-feira, 13, o que sugere que a empresa tenha liberado o aplicativo por volta desta data, embora o Facebook não tenha ainda se pronunciado sobre a questão.
O Hobbi foi desenhado pela equipe de New Product Experimentation (experimentação de novos produtos, em inglês) do Facebook, time que a empresa introduziu na metade do ano passado para pensar em novos produtos e funcionalidades para os apps da empresa. O Facebook, além da rede social homônima, é dono do Instagram, do WhatsApp e do Facebook Messenger, que juntos somam mais de 4 bilhões de usuários.
Hobbi: novo app lançado pela equipe do FacebookHobbi: novo app lançado pela equipe do Facebook (Hobbi/iOS Store/Reprodução)
Pinterest, a rede social dos criativos
Criado em 2011 por Ben Silbermann, o Pinterest tem 335 milhões de usuários ativos e é uma rede de compartilhamento de imagens, mas um pouco diferente de nomes como o Instagram. Seus usuários, chamados de pinners, salvam imagens e criam painéis temáticos, no geral relacionados a criatividade, como ideias de decoração e ilustrações. Segundo o jornal The New York Times, os usuários da rede já pinnaram 175 bilhões de itens em 3 bilhões de quadros virtuais.
Em dado citado pelo próprio Pinterest, a empresa de inteligência comScore afirma que, em dezembro de 2019, quase metade de todos os usuários de internet nos Estados Unidos usam a ferramenta. Metade dos jovens americanos entre 18 e 24 anos também estão na rede social.
O Pinterest abriu seu capital na bolsa de Nova York em abril de 2019, na época com valor de mercado de 12,7 bilhões de dólares, ou 19 dólares por ação. O Pinterest foi uma das diversas empresas de tecnologia que estrearam na bolsa dos Estados Unidos no ano passado, assim como as companhias de transporte por aplicativo Uber e Lyft, a ferramenta de mensagens corporativas Slack e a fabricante de carne vegetal Beyond Meat.
Cada uma em suas especificidades, elas chegaram à bolsa depois de conseguirem um alto valor de mercado com investimentos privados, mas todas ainda têm prejuízo em seus balanços e tentam encontrar uma forma de se provar rentáveis. O argumento das empresas é que elas possuem produtos de tecnologia escaláveis e que os gastos de hoje serão pagos no futuro após um crescimento exponencial de sua participação de mercado.
De todos os prejuízos, o Pinterest é um dos que tem o caso menos complicado. No balanço referente ao quarto trimestre divulgado no último dia 6 de fevereiro, a empresa informou que teve no ano de 2019 faturamento de 1,1 bilhão de dólares, alta de 51% em relação a 2018. O prejuízo também disparou, para 1,4 bilhão de dólares, mais de 2.000% a mais do que em 2018.
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A empresa, assim como todas as que fizeram IPO em 2019, precisou gastar muito ao longo do ano com encargos financeiros relacionados à chegada à bolsa, como compensações pagas a executivos e bancos de investimento que fizeram o IPO. Se excluídos esses encargos, a empresa lucrou 17,9 milhões de dólares, revertendo prejuízo que havia tido em 2018.
Cerca de 90% da receita do Pinterest vem dos usuários nos Estados Unidos, ainda que o país responda por somente 26% dos usuários ativos. Dos 335 milhões de usuários ativos mensais em 2019, 247 milhões fora dos Estados Unidos e 88 milhões no país. O número de usuários cresceu 26% no ano, com a maior alta vinda do exterior, onde o número de clientes aumentou 35%.
A ação do Pinterest segue basicamente valendo o mesmo que valia no IPO há quase um ano, com ligeira queda de 3% desde então. No cenário de desconfiança em relação às empresas de tecnologia, não é um mal negócio: as ações da Lyft, por exemplo, caíram mais de 40% desde o IPO, ainda que os resultados financeiros da companhia estejam melhorando.
Quem é páreo para o Facebook?
Contudo, enquanto Lyft e a rival Uber lutam com prejuízos muito maiores e potenciais problemas com regulações de governos mundo afora, o Pinterest terá de lidar com um problema tão grande quanto: competir com uma cópia criada pela empresa de Mark Zuckerberg.
O Snap que o diga. A ferramenta, que fez IPO em 2017, chegou a ver suas ações caírem 80% em relação ao valor de estreia na bolsa depois que o Facebook lançou o Stories para o Instagram. Hoje, a ação do Snap se recuperou, mas a empresa nunca mais conseguiu ser a mesma. Na época do lançamento do Stories, o Snap estava em um caminho para ser uma estrela global, e começava a engrenar mesmo em países emergentes onde até então tinha uma pequena base de usuários, como o Brasil. Com a chegada do Instagram, mais consolidado, a tarefa ficou mais difícil.
Entre o público brasileiro, o Stories fez tanto sucesso que derrubou a audiência do Snapchat. Reportagem de EXAME em 2017 mostra que o tempo gasto pelos brasileiros no aplicativo do Snap tinha subido 31% entre outubro de 2015 e julho de 2016, perto do lançamento do Stories, mas caiu mais de 80% do lançamento da ferramenta do Instagram até outubro de 2017. O levantamento foi feito pela empresa de inteligência comScore no relatório Mobile Metrix, que levou em conta usuários com mais de 18 anos. Enquanto isso, o tempo gasto no aplicativo do Instagram subiu mais de 40% no mesmo período.
Atualmente, boa parte do público do Snap está somente em Europa e Estados Unidos, onde a empresa tem um público mais fiel, sobretudo entre a chamada geração Z, com usuários abaixo de 24 anos.
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O Snap ficou tão irritado com a cópia do Instagram que chegou, na época, a fazer internamente um projeto chamado “dossiê Voldermot”, em que os executivos do Snap documentaram por anos as ações do Facebook que consideraram ser direcionadas a fazer o Snapchat quebrar. O vilão da saga “Harry Potter” foi escolhido para nomear o que a Snap via como tentativas de Mark Zuckerberg de minar a concorrência.
Como quase todas as redes sociais, o Pinterest é gratuito, mas ganha dinheiro sobretudo com publicidade, e afirma a investidores que, como os usuários buscam a rede para encontrar inspiração, é uma das melhores plataformas para se anunciar — de móveis e decoração a qualquer tipo de produto. No Facebook, a publicidade representa 98% das receitas. O único de seus aplicativos principais (Facebook, Facebook Messenger, Instagram e WhatsApp) que não tem anúncios por ora é o WhatsApp, de mensagens. Assim, lançar um app similar ao Pinterest e fazer usuários passarem um bom tempo nele criando coleções e vendo belas fotos de inspiração não parece uma má ideia para alavancar a receita.
Na manga, Zuckerberg também tem a possibilidade de fazer o app interagir com os bilhões de usuários em suas outras redes sociais. Foi o que pesou para muitos que preferem o Stories ao Snapchat: a interação com o Instagram, que tem sozinho 1 bilhão de usuários. O Facebook ainda não declarou que planos tem para o Hobbi, que, ao que tudo indica, está ainda em fase de testes. A ver se o Pinterest conseguirá resistir.