Problemas como o da estudante Isabela Gurgel, diagnosticada com apendicite, mostram a importância de plano para lidar com imprevistos durante as férias. Mordido por macaco em viagem à Indonésia, Giuliano Castilhos precisou de atendimento médico, mas seguro não cobriu gastos com vacina antirrábica Arquivo pessoal Enquanto planejava sua primeira viagem internacional, Isabela Gurgel, de 24 anos, pensava nos momentos de alegria e lazer. Em abril, a universitária de Cuiabá, no Mato Grosso, embarcou com duas amigas para os Estados Unidos, onde teve uma infeliz surpresa: sentiu fortes dores abdominais e foi diagnosticada com apendicite aguda, uma inflamação no apêndice que exige a retirada do órgão. Assim como Isabela, há diferentes relatos de pessoas que tiveram imprevistos relacionados à saúde durante viagens. Estar longe de casa – em alguns casos, em um país cujo idioma o turista não domina – aumenta o temor de situações assi,. Professor do curso de Lazer e Turismo da Universidade de São Paulo (USP), Luiz Gonzaga Godoi Trigo explica que os riscos de incidentes aumentam quando se está viajando. "O turista se desloca a vários lugares que não conhece. Então, ele pode ter um mal-estar, sofrer um acidente, torcer o pé ou até mesmo passar mal com a comida da região. Não é raro ter algum problema", diz. As alternativas nestes casos são recorrer ao atendimento público oferecido a visitantes estrangeiros em alguns países – neste caso, pesquise antes se o destino oferece esse benefício -, contratar um seguro-viagem ou pagar diretamente ao hospital pelos serviços de que se precisa. Há ainda turistas que optam por improvisar para amenizar um problema enquanto não retornam ao Brasil. Em Nova York, nos Estados Unidos, a biomédica Cristina Meireles caiu de bicicleta durante um passeio. "A minha mão ficou roxa e inchou completamente", conta ela. Sem seguro, Cristina optou por aliviar a dor por conta própria. "O atendimento médico era muito caro, então eu mesma fiz uma tala", diz. Segundo Trigo, um procedimento simples, como uma consulta para avaliação e pedidos de exames não sai por menos de U$ 400 (R$ 1,64 mil) nos Estados Unidos – e em muitos outros países. No caso de Isabela, todos os gastos com exames, internação e cirurgia, que ela estima não terem saído por menos de R$ 50 mil, foram quitados pelo seguro. Ela conta que pagou cerca de R$ 170 por 15 dias da viagem. "Fiz um mês antes de viajar, por obrigação mesmo. Nunca imaginei que usaria", diz a estudante. Quando ela descobriu a apendicite, chegou a pensar em voltar ao Brasil. Mas foi informada pelos médicos que seu caso era de urgência e que ela deveria operar no dia seguinte. "Disseram que havia o risco de o apêndice estourar a qualquer momento (o rompimento do apêndice pode levar a quadros de infecção generalizada). Então, tive de ficar", diz ela, que foi operada em um hospital particular no Estado da Virgínia. Isabela diz que recebeu alta no mesmo dia e seguiu viagem. "Tentei fazer tudo normalmente, mas com cuidado, para não abusar." Atendimento de saúde ao turista Em alguns países, como Portugal, Itália e Cabo Verde, os brasileiros têm direito a atendimento médico na rede pública, em razão de acordos entre os governos. Para isso, é preciso solicitar, antes de viajar, o Certificado de Direito à Assistência Médica (CDAM) – o documento pode ser pedido em núcleos estaduais ou na sede do Ministério da Saúde, em Brasília. Ainda assim, o seguro-viagem pode ser necessário para lidar com outras situações. Além de emergências médicas, pode incluir serviços como assistência odontológica, auxílio em caso de extravio de bagagem, apoio para deslocamento e estadia em caso de cancelamento de voo, regresso sanitário – quando o cliente necessita de cuidados especiais para retornar ao Brasil, em razão de um acidente ou doença -, assistência judicial e até, em caso de morte, translado de corpo. As operadoras também cobrem, desde março de 2016, crises de doenças preexistentes ou crônicas. Por exemplo, quando o paciente tem diabetes e enfrenta problemas relacionados a isso na viagem. Imprevistos na viagem Emergências médicas durante viagens podem ser as mais inesperadas possíveis. O turismólogo Giuliano Castilhos, de 28 anos, estava na Indonésia quando foi mordido por um macaco. Ele tinha seguro, mas ainda assim não conseguiu o atendimento que desejava. "Fiquei preocupado em relação à raiva e tentei acionar o seguro para tomar a vacina. Mas me informaram que eles não cobriam, porque a vacina não estava inclusa no pacote." Ele teve de pagar cerca de R$ 400 para tomar a antirrábica na Indonésia. "Aqui no Brasil seria de graça, mas lá não foi. Doeu no bolso, mas preferi pagar para evitar possíveis problemas de saúde", conta. Caso o viajante contrate o seguro-viagem, especialistas ressaltam ser fundamental encontrar uma operadora adequada às suas necessidades, com base nos serviços oferecidos no contrato, e definir o valor da cobertura, conforme o local para o qual o turista viajará e as atividades que pretende fazer. Isso porque, se o atendimento médico ultrapassar o contratado, será preciso pagar o excedente. Presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav), Magda Nassar ressalta a importância do seguro. "Em muitas regiões, fica complicado quando a pessoa não tem seguro e passa por algum problema de saúde, porque ela vai ter de procurar um atendimento médico, que deverá ter custos elevados", afirma. Dados da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi) indicam que a busca pelo seguro-viagem cresceu 18,69% de janeiro a setembro de 2019, em comparação com o mesmo período do ano passado. Além de viagens internacionais, o seguro pode ser contratado para destinos nacionais, principalmente quando não se tem plano de saúde com cobertura nacional. Neste caso, porém, não é fundamental, já que o Sistema Único de Saúde (SUS) pode ser usado em todo país. Caso o viajante passe por alguma emergência médica e precise acionar o seguro, no Brasil ou no exterior, ele deve entrar em contato com a operadora, que indicará uma unidade de saúde credenciada na região ou encaminhará um médico para atender o paciente no local em que está hospedado. Há também a possibilidade de procurar atendimento por conta própria e depois ser reembolsado em até 30 dias. Reclamações Assim como no caso de Giuliano, as experiências com o seguro-viagem nem sempre são positivas. A universitária Alana Pacheco, de 24 anos, precisou recorrer ao serviço enquanto fazia um intercâmbio na Suécia, em 2017, mas não obteve o auxílio que esperava. "Tive um problema sério de gastrite. A seguradora me informou que eu poderia ir a qualquer posto de atendimento da região, teria que pagar pela consulta e me reembolsariam somente depois que eu voltasse ao Brasil e encaminhasse os comprovantes dos gastos", diz. "Como era um intercâmbio, eu ainda passaria mais alguns meses na Suécia. Tinha um orçamento de estudante e não poderia arcar com as despesas naquele momento. Uma consulta custaria quase todo o valor que tinha para passar o mês." Diante das dificuldades, ela buscou atendimento no hospital da universidade em que fazia o intercâmbio. "Havia um departamento médico para os alunos. Tudo se resolveu ali mesmo." No Reclame Aqui, há diversas críticas a algumas operadoras de seguro-viagem. "Há faturas de U$ 48 mil que nunca foram pagas em um hospital dos Estados Unidos, decorrentes de um acidente. Meu nome está com pendência nos Estados Unidos", reclamou um homem. "Precisei entrar na Justiça para que pagassem uma emergência à qual fui submetido no Canadá", escreveu outro cliente. De acordo com levantamento feito pelo site, a pedido da BBC News Brasil, as reclamações do tipo cresceram nos últimos anos. Em 2016, foram 880, em 2017, 1.234, e no ano passado, 1.387. Neste ano, até o fim de novembro, já haviam sido feitas 1.720 reclamações – 24% mais do todo o ano passado. Para evitar dificuldades com o seguro-viagem, especialistas orientam que o turista pesquise sobre a operadora, leia relatos de outros clientes e verifique se a empresa possui regulamentação na Superintendência de Seguros Privados (Susep), responsável por fiscalizar o setor. Os problemas com as operadoras podem ser reportados à Susep ou ao Procon. Em alguns casos, podem se tornar casos judiciais. Seguro obrigatório e atendimentos na rede pública Para que turistas possam ingressar em diversos países, o seguro-viagem é obrigatório. Na Europa, por exemplo, é preciso contratar um seguro com cobertura de, ao menos, 30 mil euros (cerca de R$ 136 mil), para entrar em um dos 26 países que integram o Tratado de Schengen – que inclui destinos populares como Espanha, Portugal, França, Itália, Alemanha, Holanda, Bélgica e Grécia. Nos países em que há atendimento para brasileiros no sistema público de saúde, os valores cobrados são os mesmos aplicados aos moradores da região. Nesses locais, os procedimentos gratuitos são poucos e costumam ser destinados a habitantes que declaram não ter condições para arcar com os custos de atendimento médico. Especialistas afirmam que o acesso ao sistema público de saúde traz mais segurança, ainda que o turista opte por contratar o seguro. "Por exemplo, caso o atendimento dele em um hospital particular ultrapasse o valor contratado no seguro, poderá recorrer ao sistema público de saúde daquele país (que terá valores mais baratos para o turista)", diz Trigo. A recomendação do Ministério das Relações Exteriores é a de que os viajantes brasileiros sempre contratem seguro internacional de saúde adequado, mesmo que tal documento não seja exigido pelas autoridades locais. A pasta afirma que não se responsabiliza por despesas médicas de brasileiros no exterior. O Ministério orienta que antes de viajar para outros países, o brasileiro deve se certificar de sua saúde física, como por meio de vacinas indicadas para o destino escolhido. "Vacinas contra difteria, tétano, hepatite B, sarampo, caxumba, rubéola e tuberculose são recomendadas para todo tipo de viagem. Em caso de dúvidas, o Ministério da Saúde poderá ser consultado", afirma a pasta. VÍDEO: COMO ESCOLHER O SEGURO VIAGEM Descubra os cuidados na hora de escolher o seguro viagem