Miguel Abuhab: empresa precisa identificar sua vantagem competitiva e decisiva (Fabrízio Mattos/Reprodução)
No início de outubro, a empresa de soluções para gestão automática da cadeia de suprimentos Neogrid iniciou a implementação do Demand Driven Replenishment (DDR) – solução SaaS que gera automaticamente as ordens para a reposição de produtos de acordo com a demanda do consumidor final – em uma das maiores redes de calçados do Brasil. No começo, estavam previstas cinco lojas. Após duas semanas, o cliente acrescentou outras nove. Uma semana depois, 108 lojas entraram na lista. No fim de outubro, toda a rede varejista adotaria o mesmo software. A rapidez no processo se deve não só aos resultados significativos alcançados pelo cliente, mas também pela inovação do software criado pela Neogrid.
Ele é a mais nova aposta da empresa, fundada por um dos precursores da indústria do software no país, Miguel Abuhab, e mostra a força de seu negócio. Engenheiro mecânico graduado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Abuhab criou, em 1978, a Datasul, companhia de software de controle de produção que, mais tarde, se tornaria a maior empresa de software ERP no Brasil. Duas décadas depois, em 1999, fundou a Neogrid, com sede em Joinville, Santa Catarina, e escritórios em São Paulo, Porto Alegre, São Leopoldo, Chicago (Estados Unidos), Londres e Amsterdam (Europa) e Tóquio (Japão).
Hoje, a empresa tem mais de 750 colaboradores e monitora informações de mais de 40 000 lojas, 130 redes de varejo, 30 000 indústrias e 5 000 distribuidores com mais de 144 milhões de novos movimentos de estoque e venda diariamente.
Como é ser um dos precursores da indústria do software no país?
Sinto-me orgulhoso por ter criado uma das primeiras empresas de software de ERP no país, a Datasul. E, até hoje, tem muitos clientes usando seu produto. É uma realização, pois estamos falando de história. É também um legado, pois o importante é deixar alguma coisa, ter uma vida dignificante. Eu me sinto dignificado por deixar esse legado para tantas pessoas. Por outro lado, existe a responsabilidade de mostrar às empresas e pessoas que sempre é possível conquistar novos espaços. Para isso, sempre fui muito arrojado, insisti em operações no exterior e fiz aquisições e parcerias significativas no Brasil e fora dele.
Por que abrir uma outra empresa se já era dono de um negócio de sucesso?
Sou movido à inovação. Sempre tive muitas ideias e sempre me empolguei para fazer coisas novas. A Datasul, empresa de ERP (sistema integrado de gestão empresarial), já tinha 20 anos e estava estável. Nessa tecnologia, os sistemas eram voltados para dentro do negócio. Com a internet, entendemos que as companhias poderiam monitorar o estoque dos seus produtos “na casa” dos seus clientes. Daí surgiu a ideia da Neogrid, uma rede colaborativa para gerir o fluxo de informações e processos entre empresas, conectando indústria e varejo.
O senhor imaginava que seria uma multinacional brasileira quando começou a empresa?
Imaginava que sim, por ser uma ideia disruptiva. Sempre tive como guru Eliyahu Moshe Goldratt (físico israelita que se tornou consultor de administração e um dos proponentes da Teoria das Restrições). Participei de conferências internacionais dele e via que o que estávamos fazendo inspirado nas ideias dele se aplicava a muitas empresas.
Como a Neogrid ajuda na parceria entre a indústria e o varejo?
A gente mudou uma regra de negócio. Antes as empresas precisavam olhar para uma bola de cristal e adivinhar quanto venderiam de um produto, que fabricavam com base em projeções humanas. Hoje, com inteligência artificial e algoritmos, conseguimos criar regras de negócio nas quais uma manufatura pode monitorar diariamente a venda dos seus produtos ao consumidor final e seus estoques nos varejistas. Ela sabe o que vendeu na semana anterior e repõe de acordo com o consumo real.
Como o cloud computing impactou o seu negócio?
Estamos migrando nossos produtos para a nuvem, em uma parceria muito forte com a Microsoft. Até meados do próximo ano, teremos todos os nossos produtos em cloud computing. Nela, existem muitas outras ferramentas disponíveis para que a gente incorpore em nosso produto, como inteligência artificial, integração, segurança, e damos um salto muito grande em termos de tecnologia para os nossos clientes.
Como foi o crescimento da Neogrid desde a sua criação?
A empresa passou por crescimento de mais de 120% nesse período. Grande parte, por meio de aquisições. Foram sete no total: Xplan, em 2006; Mercador, em 2007; Agentrics (Estados Unidos) e Vivacadena (União Europeia e Japão) em 2008; G2KA, em 2013; BIS Company, em 2014; e Accera/Trade Force, em 2018.
Qual a receita do sucesso?
Existem muitas ideias boas que não são executadas. O sucesso da Neogrid foi ter uma ideia inovadora, disruptiva e minha insistência em comprovar que daria resultado. Nos últimos dois anos apresentamos resultados significativos para alguns clientes. Nos Estados Unidos, por exemplo, controlamos o estoque de produtos de uma das maiores indústrias farmacêuticas em mais de 50 000 farmácias. Em algumas delas, programamos a reposição automática e trabalhamos com a metade do estoque se comparado com os estabelecimentos que usam a metodologia tradicional. Isso significa uma economia muito grande de capital de giro para as redes de varejo. Na Europa, para clientes do segmento de moda, conseguimos organizar a reposição de produtos que vendem mais durante a estação, permitindo ter um terço do estoque de uma empresa convencional.
Que aprendizados foram os mais importantes na sua trajetória?
Foco. Isso significa que uma empresa tem que identificar sua vantagem competitiva decisiva, isto é, atender a uma necessidade de um mercado suficientemente grande, sem que nenhum concorrente o faça ou venha a fazer num curto espaço de tempo. Mas a coisa mais difícil para uma empresa é entender qual é sua vantagem. Depois, deve focar e deixar de lado todos os outros elementos ou produtos que não estão ligados a explorar essa vantagem.
Quais os objetivos da empresa para os próximos anos?
Expansão no Brasil e internacional em função da parceria com a Microsoft, de quem passamos a ter apoio e divulgação no exterior, já que ela vende nossos produtos que utilizam tecnologia de inteligência artificial da Microsoft em todo o mundo. Também projetamos um crescimento de 100% para os próximos três anos – pretendemos dobrar de tamanho em um período menor, de forma escalável.
E para o senhor pessoalmente?
Na Neogrid, temos um projeto de responsabilidade social voltado para educação que trouxemos de Israel: o TOCfE – Teoria das Restrições para a Educação, que desenvolve nas crianças raciocínio lógico e as ensina a pensar e tomar decisões por si mesmas. Já formamos 200 professores, atendendo mais de 10 000 crianças. Também tenho um projeto que é o Plano de Simplificação Tributária para o Brasil, base para o relatório da reforma tributária do ex-deputado federal Luiz Carlos Hauly, aprovado em 2018 na Câmara dos Deputados. Ele prevê benefícios ao país, eliminando sonegação, inadimplência e informalidade. Sobre o tema, escrevi o livro Devo não nego, pago quando receber, em que explico claramente as ideias de simplificação tributária.