Um ex-gerente de qualidade diz que a Boeing colocou custos e cronogramas acima da segurança, o que a empresa nega. Boeing 787 Boeing/Divulgação – via BBC Um ex-funcionário da empresa Boeing afirmou que os passageiros do 787 Dreamliner poderiam ficar sem oxigênio se a cabine sofresse uma descompressão repentina. John Barnett diz que testes indicaram que até um quarto dos sistemas de oxigênio pode estar com defeito e não funcionar quando necessário. Ele também afirmou que peças defeituosas foram instaladas nos aviões da linha de produção de uma fábrica da Boeing. A Boeing nega suas acusações e diz que todas as suas aeronaves são construídas com os mais altos níveis de segurança e qualidade. A empresa passou por intenso questionamento após dois acidentes catastróficos envolvendo outro de seus aviões, o 737 Max — o acidente da Ethiopian Airlines em março e o desastre da Lion Air na Indonésia no ano passado. Barnett, ex-engenheiro de controle de qualidade, trabalhou na Boeing por 32 anos, até sua aposentadoria por motivos de saúde, em março de 2017. A partir de 2010, ele foi gerente de qualidade na fábrica da Boeing em North Charleston, Carolina do Sul, nos Estados Unidos. Essa fábrica é uma das duas envolvidas na construção do 787 Dreamliner, um avião moderno de ponta, amplamente utilizado em rotas de longo curso em todo o mundo. Apesar dos primeiros problemas após a entrada em serviço, a aeronave provou ser um sucesso entre as companhias aéreas e uma boa fonte de lucros para a empresa. Danos cerebrais e morte Mas, de acordo com Barnett, de 57 anos, a pressa de fazer mais aeronaves significou que o processo de montagem foi acelerado e a segurança foi comprometida. A empresa nega isso e insiste que "segurança, qualidade e integridade estão no centro dos valores da Boeing". Em 2016, conta Barnett à BBC, ele descobriu problemas com os sistemas de oxigênio de emergência. O sistema deve manter os passageiros e a tripulação vivos se a pressurização da cabine falhar por qualquer motivo em altitude. As máscaras de respiração devem cair do teto, e fornecem oxigênio a partir de um cilindro de gás. Sem esses sistemas, os ocupantes de um avião ficariam rapidamente incapacitados. A 35.000 pés (10.600 m), eles ficariam inconscientes em menos de um minuto. A 40.000 pés, isso pode acontecer em 20 segundos. Danos cerebrais e até a morte podem ocorrer. Embora eventos de descompressão repentina sejam raros, eles acontecem. Em abril de 2018, por exemplo, uma janela de uma aeronave da Southwest Airlines explodiu após ser atingida por destroços de um motor danificado. Um passageiro sentado ao lado da janela sofreu ferimentos graves e acabou morrendo — mas outros foram capazes de utilizar o suprimento de oxigênio de emergência e sobreviveram ilesos. Taxa alarmante de defeitos Barnett, ex-engenheiro de controle de qualidade, trabalhou na Boeing por 32 anos John Barnett/Arquivo Pessoal Barnett diz que, quando estava desativando sistemas que sofreram danos estéticos menores, ele descobriu que algumas das garrafas de oxigênio não estavam descarregando quando deveriam. Posteriormente, ele organizou um teste controlado a ser realizado pela própria unidade de pesquisa e desenvolvimento da Boeing. Esse teste foi projetado para imitar a maneira como sistemas de oxigênio seriam implantados a bordo de uma aeronave, usando exatamente a mesma corrente elétrica como gatilho. Ele diz que 300 sistemas foram testados — e 75 deles tiveram problemas, uma taxa de falha de 25%. Barnett diz que suas tentativas de aprofundar o assunto foram bloqueadas pelos gerentes da Boeing. Em 2017, ele reclamou ao órgão regulador dos EUA, a Federal Aviation Administration (FAA na sigla em inglês, Administração Federal de Aviação em tradução livre), que nenhuma ação havia sido tomada para resolver o problema. A FAA, no entanto, disse que não poderia fundamentar essa alegação porque a Boeing havia indicado que estava trabalhando na questão na época. A Boeing rejeita as afirmações de Barnett. Ela admite que em 2017 "identificou algumas garrafas de oxigênio recebidas do fornecedor que não estavam sendo implantadas adequadamente. Removemos essas garrafas da produção para que nenhuma garrafa defeituosa fosse colocada nos aviões e abordamos o assunto com o nosso fornecedor". A empresa também afirma que "todo sistema de oxigênio de passageiros instalado em nossos aviões é testado várias vezes antes da entrega para garantir que esteja funcionando corretamente e deve passar nesses testes para permanecer no avião". "O sistema também é testado em intervalos regulares quando o avião entra em serviço", diz o documento. Peças defeituosas 'perdidas' Boeing 787 em fibra de carbono Itsuo Inouye / AP Photo Esta não é a única alegação levantada na Boeing em relação à fábrica da Carolina do Sul, no entanto. Barnett também diz que a Boeing não seguiu seus próprios procedimentos, que têm o objetivo de rastrear as peças durante o processo de montagem, permitindo que vários itens defeituosos ficassem "perdidos". Ele afirma que os trabalhadores, que estavam sob pressão, chegaram a instalar peças abaixo do padrão em aeronaves na linha de produção, em pelo menos um caso com o conhecimento de um gerente sênior. Ele diz que isso foi feito para economizar tempo, porque "a Boeing na Carolina do Sul é estritamente orientada pelo cronograma e pelo custo". Sobre a perda de peças, no início de 2017, uma revisão da FAA confirmou as preocupações de Barnett, identificando que pelo menos 53 peças eram consideradas perdidas. A Boeing foi condenada a tomar medidas corretivas. Desde então, a empresa diz que "resolveu completamente as falhas descobertas pela FAA com relação à rastreabilidade das peças e implementou ações corretivas para evitar a recorrência". A companhia não comentou sobre a possibilidade de que peças fora do padrão tenham sido instaladas em aeronaves — embora os membros da fábrica de North Charleston insistam que isso não poderia acontecer. Barnett está atualmente processando a Boeing, que ele acusa de denegrir sua imagem e dificultar sua carreira por causa dos problemas que ele apontou, levando à sua aposentadoria. A resposta da empresa é que ele tinha planos antigos de se aposentar e o fez voluntariamente. Ela afirma que "a Boeing não afetou negativamente a capacidade de Barnett de continuar na profissão escolhida". A empresa diz que oferece a seus funcionários vários canais para levantar preocupações e reclamações e possui processos rigorosos para protegê-los e garantir que os problemas para os quais eles chamam atenção sejam levados em conta. "Encorajamos e esperamos que nossos funcionários levantem preocupações e, quando o fazem, investigamos e resolvemos completamente." Mas Barnett não é o único funcionário da Boeing que levantou preocupações sobre os processos de fabricação. No início deste ano, por exemplo, após o acidente da Ethiopian Airlines com o 737 Max, quatro funcionários atuais ou antigos entraram em contato com uma linha direta da FAA para relatar possíveis problemas. Barnett acredita que as preocupações que destacou refletem uma cultura corporativa "voltada para velocidade, redução de custos e contagem de unidades produzidas". Ele afirma que os gerentes "não estão preocupados com a segurança, apenas cumprindo o cronograma". Essa é uma visão corroborada por outro ex-engenheiro, Adam Dickson, envolvido no desenvolvimento do 737 Max na fábrica da Boeing em Renton, no Estado de Washington. Ele disse à BBC que havia "um esforço para manter os aviões em movimento pela fábrica. Havia frequentemente pressões para manter os níveis de produção elevados. Minha equipe brigava constantemente com a fábrica por processos e qualidade. E nossos gerentes sêniores não ajudaram." Medo de embarcar Em audiência no Congresso americano em outubro, o congressista democrata Albio Sires citou um e-mail enviado por um gerente sênior sobre a linha de produção do 737 Max. Nele, o gerente reclamou que os trabalhadores estavam "exaustos" por terem que trabalhar em um ritmo muito forte por um período prolongado. Ele disse que a pressão do cronograma estava "criando uma cultura em que os funcionários estão deliberada ou inconscientemente contornando os processos estabelecidos", afetando negativamente a qualidade. Pela primeira vez em sua vida, disse o autor do e-mail, ele hesitava em permitir que sua família embarcasse em um avião da Boeing. A Boeing diz que, juntamente com a FAA, implementa um "processo rigoroso de inspeção" para garantir que suas aeronaves sejam seguras e que todas elas passam por "vários voos de segurança e teste", além de inspeções extensivas antes que possam sair da fábrica. A Boeing encomendou recentemente uma revisão independente de seus processos de segurança. A empresa disse que a revisão "identificou que o design e o desenvolvimento do [737] Max foram feitos de acordo com os procedimentos e processos que produziram consistentemente aviões seguros". No entanto, como resultado dessa análise, no final de setembro, a empresa anunciou várias alterações em suas estruturas de segurança. Elas incluem a criação de uma nova "organização de segurança de produtos e serviços". Ela será encarregada de revisar todos os aspectos de segurança do produto, "incluindo a investigação de casos de pressão indevida e preocupações sobre produtos e segurança levantadas pelos funcionários". Enquanto isso, Barnett continua profundamente preocupado com a segurança da aeronave que ajudou a construir. "Com base em meus anos de experiência, acredito que seja apenas uma questão de tempo até que algo grande aconteça com um 787", diz ele. "Rezo para que eu esteja errado."