Palácio Tangará, em São Paulo: na onda da procura do consumidor por experiências em vez de mercadorias, setor de hotelaria de luxo é um dos que mais cresce (Palácio Tangará/Divulgação)
Enquanto a América Latina viveu anos difíceis, com baixo crescimento da economia ou recessão em alguns países, um setor específico apresentava crescimento de dois dígitos: o mercado de luxo. No Brasil, no acumulado entre 2013 e 2018, o faturamento de produtos de luxo teve alta de mais de 18%, segundo dados da consultoria Euromonitor — mesmo em um cenário em que, no acumulado do mesmo período, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil caiu 1,3% e a renda per capta caiu mais de 6%.
Se já conseguiu não se deixar afetar em meio a uma das maiores crises do Brasil e da América Latina, as empresas que atuam no mercado de luxo esperam que os próximos cinco anos sejam ainda melhores. Um estudo inédito da Euromonitor, divulgado pelo grupo especializado em luxo LuxuryLab, mostra que a projeção é que o mercado de luxo tenha alta de mais de 20% no Brasil até 2023, ou na faixa dos 4% ao ano. Se a previsão se concretizar, o Brasil deve recuperar em 2021 o posto de maior mercado de luxo da América Latina, perdido para o México em 2014.
“O luxo é um mercado mais ‘protegido’ e menos suscetível a crises, então continuou crescendo nos últimos anos, mas em um ritmo muito mais lento”, diz Abelardo Marcondes, fundador do LuxuryLab Global. Juntas, as dez maiores cidades da América Latina representam um PIB de 1,5 trilhão de dólares, mas perderam espaço no mercado de luxo nos últimos anos para regiões como a Ásia, hoje uma das principais consumidoras de produtos de luxo no mundo. “Agora, essa boa perspectiva de crescimento é importante para dar confiança às marcas que estão investindo no Brasil e na região.”
O estudo com as perspectivas do setor, antecipado a EXAME, será divulgado durante a segunda edição do fórum do LuxuryLab, que reúne empresas e profissionais para discutir o mercado de luxo nesta segunda-feira 30, em São Paulo.
Para que as boas previsões do setor se concretizem, as grandes cidades latino-americanas, que concentram mais de 80% da população na região, serão essenciais. São Paulo, por exemplo, é a maior cidade da América Latina, seguida por Cidade do México (MEX) e Buenos Aires (ARG). O Brasil tem ainda Rio de Janeiro (quarta maior da região) e Belo Horizonte (oitava maior) entre as dez maiores cidades latino-americanas. As brasileiras estão entre as economias que mais devem se recuperar nos próximos cinco anos.
Ser, não ter
Um dos setores mais importantes do luxo é o automotivo, que também foi um dos que mais cresceu durante a crise, tendo alta de 36,8% entre 2013 e 2018. No ano passado, os carros de luxo responderam por um faturamento de 14,1 bilhões de reais.
Para os próximos anos, contudo, os carros devem perder em parte o protagonismo: o setor de luxo que mais crescerá será o chamado “luxo de experiência”, que inclui alimentação e viagens, com alta de 48,2% esperada até 2023 (ante alta de 5,5% nas vendas de carros de luxo). O faturamento do luxo de experiência vai passar de 582,6 milhões de reais em 2018 para 863,5 milhões em 2023. Entre 2013 e 2018, o luxo de experiência já havia crescido em 18,3%.
O mote do “ser” no lugar do “ter” chegou ao luxo com força, o que inclui pessoas gastando mais em experiências passageiras do que na aquisição de mercadorias duráveis. Para Marcondes, o turismo e o segmento de bem-estar, como academias e outros serviços de saúde, serão grandes destaques nos próximos anos. Em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, o setor de hotelaria de luxo, por exemplo, terá alta de mais de 10% até 2023, acima de categorias mais clássicas como carros e produtos de moda, como roupas e sapatos. A categoria de bebidas de luxo, como vinhos e destilados, também crescerá 19,5% no Brasil.
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Nesse cenário, empresas como a francesa LVMH (dona de marcas como Louis Vuitton e Dior) e as italianas Armani e Versace, especializadas em vestuário e perfumaria, estão investindo em hotéis de luxo, assim como o fundador da grife carioca Osklen, o gaúcho Oskar Metsavaht.
Outros segmentos que vão mostrar crescimento são saúde e educação. “É o primeiro contato das pessoas com o luxo: se há dinheiro, se investe em saúde e em educação de melhor qualidade. Com a classe média voltando a ter renda e consumir, esses setores vão crescer”, diz Marcondes. No Rio e em Belo Horizonte, a saúde de alto padrão terá alta acima de 16%, e acima de 12% em São Paulo, no período entre 2018 e 2023. Os investimentos das famílias em educação de alto padrão subirão mais de 12% em BH e Rio e na casa dos 10% em São Paulo.
Para além das maiores cidades, Marcondes aponta também que o crescimento do comércio eletrônico (hoje responsável por 4% das vendas no varejo brasileiro) será grande aliado do mercado de luxo, fazendo com que produtos exclusivos cheguem às elites de diferentes regiões do Brasil. “Não é mais preciso ter uma loja na cidade para que o consumidor compre os produtos. Isso abre um leque de mercados inexplorados”, diz o especialista.
Supérfluo?
Independentemente do segmento, a volta do consumo da classe média é a grande aposta do setor para melhorar suas vendas. A fatia da população que mais crescerá nos próximos cinco anos nas cidades latino-americanas será a classe média urbana um pouco mais abastada, isto é, famílias com renda total entre 8.000 e 15.000 reais mensais, o terceiro maior nível de renda no estudo da Euromonitor. São pessoas que viram a renda encolher com a crise, mas devem se beneficiar — e voltar a gastar — com a retomada do crescimento econômico.
O mercado latino-americano tem potencial, mas, como aponta o estudo, tem também os problemas de sempre. Entre os principais entraves para o mercado de luxo na região estão a desigualdade social, que gera rendas baixas para a maior parte da população, a taxação de produtos importados considerada excessiva e os altos índices de violência, que limitam o potencial de expansão de lojas de luxo e as deixam restritas a alguns bairros e, sobretudo, a shopping centers.
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E apesar da expectativa de aumento de renda da classe média, ainda há muito o que avançar. Em um país em que uma criança nascida na parcela mais pobre da população leva nove gerações para chegar ao topo da pirâmide ou em que uma a cada quatro pessoas procura emprego há mais de dois anos, o crescimento do setor de luxo em meio à crise pode soar como uma prova da desigualdade social do Brasil e de outros países da América Latina.
Marcondes, contudo, aponta que as empresas de luxo, sobretudo as nacionais, têm produtos que ajudam a gerar empregos e resgatar a cultura do país e a identidade local. O especialista cita exemplos de marcas como a Dengo, fabricante de chocolates nacional cujo sócio é Guilherme Leal, da Natura, e que remunera acima da média do mercado seus produtores de cacau de alta qualidade na Bahia, ou a Osklen, que usa métodos sustentáveis de fabricação (como o aproveitamento do couro de tilápia, que seria descartado).
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Mesmo no caso de marcas importadas, o setor de luxo, ao se instalar no país, gera empregos e renda a fornecedores de produtos de alta qualidade, diz Marcondes. “Em países europeus, como França e Inglaterra, se enxerga muito melhor, inclusive por parte do governo, a importância do setor de luxo para a economia”, afirma.
De qualquer forma, a mentalidade com relação ao luxo também mudou nos anos de crise, com mais atenção às desigualdades sociais, à diversidade e à sustentabilidade. “Antes da crise, havia a história de esbanjar, comprar itens de luxo que se pudesse mostrar. Agora, o consumidor quer produtos de boa qualidade, mas sem desperdício, sem esbanjar. Há uma percepção maior, das marcas e dos consumidores, sobre as desigualdades na América Latina”, diz Marcondes.