Plano Nacional do Turismo aprovado por Bolsonaro prevê estímulo à sustentabilidade, mas especialistas apontam falta de foco nas políticas para o setor e temem retrocessos. No arquipélago de Fernando de Noronha, a visitação anual já supera a capacidade estipulada pelo plano de manejo Fábio Tito/G1 Declarações recentes do presidente Jair Bolsonaro levantaram dúvidas quanto ao futuro das políticas de turismo sustentável no Brasil e às prioridades do governo para o setor. Nas últimas semanas, ele pediu apoio para "fazer a baía de Angra uma Cancún brasileira" e disse considerar a taxa cobrada para visitação e preservação do arquipélago de Fernando de Noronha "um roubo". "A sensação que eu tenho é que o turismo está vivendo um dia de cada vez, está difícil desenhar tendências", afirma Karina Toledo Solha, coordenadora do Departamento de Turismo e do Centro de Estudos de Turismo e Desenvolvimento Social da Universidade de São Paulo (USP). Foi aprovado em maio o Plano Nacional do Turismo, por meio do Decreto 9.791, assinado por Bolsonaro. O texto prevê "estimular a adoção de práticas sustentáveis no setor turístico" e ressalta que "a sustentabilidade no turismo é entendida de forma ampla, de maneira a garantir a preservação não apenas dos recursos naturais, mas da cultura e da integridade das comunidades visitadas". Rochedo na Esec de Tamoios, na Baía de Angra dos Reis Adriana Gomes/ICMBIO/Acervo O plano, desenvolvido ainda no governo de Michel Temer, tem como objetivo guiar as diretrizes para o setor do turismo nos próximos anos. Sem trazer estratégias detalhadas, o documento estabelece como meta ampliar a visitação internacional. Segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT), em 2017 o Brasil recebeu 6,58 milhões de turistas estrangeiros, e a meta é elevar o número para 12 milhões até 2022. Especialistas do setor ouvidos pela DW Brasil ressaltam que, para quase dobrar o número de visitantes, é preciso que o país se atenha a práticas sustentáveis. Eles reconhecem a intenção do governo de estimular o turismo sustentável como algo positivo, mas manifestam preocupações quanto à falta de foco nas políticas de turismo e o risco de serem desfeitos avanços obtidos no setor nas últimas décadas. "Nós, do turismo, estamos muito assustados, porque a perspectiva é muito obscura. A fala do atual presidente lança por terra toda essa construção que nós tivemos", afirma o especialista em turismo sustentável Reinaldo Miranda de Sá Teles, professor do curso de Turismo da USP. Para Teles, transformar Angra dos Reis – área que abriga a Área de Proteção Ambiental de Tamoios – na Cancún brasileira iria na contramão de conceitos modernos de exploração turística: "O desenvolvimento turístico em Cancún alimenta as operadoras turísticas e o mercado, mas a população que havia ali teve que se retirar. Ela não teve nenhum benefício." Teles argumenta que, com a construção de resorts, se perde a sensação de estar num lugar único com experiências culturais exclusivas, um dos atrativos para viajantes. Assim como Angra dos Reis, Fernando de Noronha é um local rico em biodiversidade. Para acessar o Parque Nacional Marinho do arquipélago, turistas estrangeiros precisam pagar uma taxa de conservação de R$ 212, e brasileiros, R$ 106. Apesar de Bolsonaro afirmar que a cobrança afasta turistas, desde 2015 a visitação atinge o limite de sua capacidade, de 89,8 mil pessoas por ano, conforme o plano de manejo local. Esec de Tamoios é formada por 29 ilhas, lajes e rochedos Reprodução/TV Globo Avanços nas últimas décadas Teles destaca os avanços alcançados no setor do turismo no Brasil desde a década de 1990, quando o setor passou a ser encarado de forma mais profissional no Brasil e as questões de sustentabilidade no setor vieram à tona, após a Eco92, no Rio de Janeiro. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o turismo é sustentável quando equilibra três pilares: desenvolvimento social, crescimento econômico e preservação ambiental. Teles aponta que o primeiro passo importante para a estruturação do setor foi o Programa Nacional de Municipalização do Turismo (PNMT), ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Os municípios começaram a identificar suas vocações, e a Embratur, por meio de programas, orientava o planejamento. Fundos de fomento ao setor também foram criados, e o debate da sustentabilidade começou a ganhar corpo. Fazer 'turismo sustentável' exige respeito ao meio ambiente e à cultura local; veja miniguia com dicas Em 2003, o Ministério do Turismo foi criado com a missão de traçar os planos nacionais, feitos a cada quatro anos, e passou a incorporar a preocupação com a sustentabilidade nas metas estabelecidas. Desde 2012, a Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa) promove, em parceria com o Ministério do Turismo, o Prêmio Turismo Sustentável. Já foram reconhecidos 79 projetos, entre os mais de 430 inscritos. "Percebemos que o Brasil pode se tornar uma referência em turismo sustentável, trazendo investimentos, respeitando as comunidades locais, provendo desenvolvimento em vários setores econômicos”, afirma o presidente da Braztoa, Roberto Haro Nedelciu. O plano é manter o prêmio, e o deste ano já está com inscrições abertas. Entre os dados promissores para o setor, Nedelciu destaca um estudo do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), divulgado no ano passado, que mostra o impacto econômico positivo nos municípios abrangidos por reservas federais abertas à visitação. Cada R$ 1 investido no ICMBio gerou outros R$ 7 em benefícios econômicos no entorno dos parques, pelo consumo de serviços como hospedagem, transporte, alimentação e atividades de lazer pelos visitantes. Ranking internacional Em 2017, o Brasil ficou em sétimo lugar entre 100 países analisados no Índice de Turismo Sustentável elaborado pela revista britânica "The Economist". O país ficou atrás apenas de França, Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos, Japão e Índia. VÍDEO: veja dicas para praticar o turismo sustentável O índice tem como base 19 indicadores, que incluem ambiente político e regulatório, sustentabilidade ambiental, sustentabilidade sociocultural, sustentabilidade econômica e indústria de viagens e turismo. Entre os pontos positivos destacados do Brasil estavam a qualidade do ar, emissão de CO2 por dólar do PIB e o uso responsável da água. Apesar da boa colocação no ranking e dos avanços nos últimos anos, Solha, da USP, vê as iniciativas sustentáveis no Brasil como ainda muito dispersas e aponta a necessidade de uma política nacional clara. Entre os pontos positivos destacados do Brasil estavam a qualidade do ar, emissão de CO2 por dólar do PIB e o uso responsável da água. Heintz Jean / hemis.fr/ AFP O que diz o governo Consultado sobre investimentos e planos detalhados para a sustentabilidade do setor, o Ministério do Meio Ambiente não respondeu aos questionamentos da DW Brasil até a publicação desta reportagem. Já o Ministério do Turismo afirmou, em nota, que o país avançou nos últimos anos em relação ao turismo sustentável e que a preocupação é "desenvolver a atividade de forma a poupar os recursos naturais, buscando a eficiência energética, o uso racional da água e a correta destinação de resíduos sólidos gerados pelos empreendimentos". O texto diz ainda que uma preocupação do setor é melhorar a qualidade de vida das comunidades locais, que por muito tempo não participaram "ativamente da cadeia produtiva do turismo, sendo privada dos benefícios econômicos que a atividade é capaz de gerar". Para isso, o ministério exemplifica que o setor tem possibilitado a integração da comunidade à cadeia produtiva, com venda de produtos gastronômicos, artesanatos ou por meio de experiências, como manifestações artísticas e culturais locais. Questionada sobre os planos da nova gestão na área do turismo sustentável, a pasta respondeu apenas que desenvolve um programa para a valorização da gastronomia brasileira como ativo turístico estratégico. "A abordagem da gastronomia do ponto de vista da sustentabilidade está alicerçada na valorização da produção local e promoção dos produtos da biodiversidade do Brasil, por exemplo", afirma.