“Eu acredito que nós tramamos vidas e fazemos história”. É assim, cheia de prosa e poesia, que Fernanda Martins define seu trabalho à frente das rendeiras do bairro do Rio Vermelho, em Florianópolis, Santa Catarina. Agraciada com o Prêmio Culturas Populares 2018 – Edição Selma do Coco, a mestra rendeira é uma das guardiãs das culturas tradicionais da Ilha. A próxima edição da premiação, que já reconheceu trajetórias como a de Fernanda, está com inscrições abertas até o próximo dia 16 de agosto. Realizado pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério da Cidadania, o Culturas Populares estimula e valoriza expressões culturais de todo o País.
Segundo a mestra Fernanda, o prêmio lhe rendeu oportunidades únicas. “Desde que eu fui premiada, há várias pessoas que me ligam para saber do nosso trabalho, se eu tenho alguma dificuldade. Além disso, com o dinheiro que veio, eu comprei linhas, almofadas, eu comprei mais material, porque dá um ânimo para as alunas, né”, conta. Este ano, a mestra recebeu outra premiação que reconhece o seu trabalho na Cultura, desta vez, da iniciativa Mulheres que Fazem a Diferença. “Para mim, esse reconhecimento veio por causa do Prêmio Culturas Populares”, afirma Fernanda.
Fernanda aprendeu a arte da renda de bilros com a avó e a mãe, na infância. A tradição veio com os imigrantes originários de Portugal e dos Açores. No Brasil, está presente em diversas regiões, principalmente em comunidades de pescadores das cidades litorâneas. Isso porque as mulheres começaram a desenvolver essa atividade no período em que os homens saíam para a pesca. “Onde há rede, há renda”, diz a mestra. Aos poucos, a atividade deixou de ser um alento diante da ausência da figura masculina e se tornou uma forma de sustento da família. É a renda que gera renda.
Economia criativa
Ainda assim, ainda há um espaço de profissionalização a ser conquistado, revela Fernanda. “Há rendeiras que acabam deixando a atividade por outra, por meio da qual elas poderão se aposentar. Eu mesma, me aposentei como pescadora, pois como rendeira não é possível”, relata. A falta de capacitação especialmente em aspectos relativos à comercialização ainda pode ser incrementada, segundo a mestra. Ainda que sejam artesãs habilidosas, há necessidade de treinamento em técnicas comerciais, administrativas e de marketing, por exemplo. Precificar as peças é uma das dificuldades mais comuns enfrentadas por elas. Segundo Fernanda, algumas peças levam semanas para ficar prontas e, por esta razão, têm o valor mais elevado. Outro ponto delicado é a falta de locais apropriados para expor e vender a produção.
Para driblar essas questões, Fernanda buscou parcerias: o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) ofereceu uma oficina de precificação. Outra contribuição veio da Caixa Econômica Federal. Por meio da associação de funcionários e ex-funcionários, as rendeiras passaram a expor suas peças duas vezes ao ano, na superintendência do banco. Mas a mestra não quer parar por aí. Um de seus sonhos é ter um casarão no bairro, para poder ministrar suas aulas, além de ter um espaço constante de exposição e vendas. Outro objetivo é fazer parcerias com designers e estilistas, pois a interação com a indústria da moda pode valorizar e impulsionar o trabalho das rendeiras.
Tradição e Patrimônio
Em 2018, por meio de campanha liderada pela Eslovênia, a renda de bilros foi inscrita na lista de Patrimônios Culturais Imateriais da Humanidade. Mestra Fernanda e suas rendeiras têm consciência da importância de preservar esta tradição. “Eu amo a renda. Ela é como uma flor, que pode murchar, mas não pode morrer”, destaca.
A arte é complexa e consiste em criar as tramas das rendas com a ajuda de alfinetes fixados em moldes de papel, apoiados em almofadas. Os fios ficam enrolados nos bilros, que são as peças de madeira cujas mãos hábeis das rendeiras rodam de lá para cá, em movimentos circulares. Enquanto tecem, as rendeiras também cantam e contam suas histórias, criando laços profundos de amizade e companheirismo.
É o que revelam os versinhos trocados entre elas em outra das tradições que mestra Fernanda tem ajudado a preservar, o Pão por Deus. Celebrado no dia 1º de novembro, dia de Todos os Santos, o costume é enviar bilhetinhos para as amigas e para os namorados. “Lá vai meu coração, todo cheio de carinho, vai pedindo Pão de Deus, a quem eu encontrar no caminho”, recita a mestra. De acordo com ela, no dia em que resgataram a prática, algumas das mulheres mais antigas do grupo se emocionaram.
Prêmio Culturas Populares
Lançado em 2007, o Prêmio Culturas Populares já teve seis edições, com cerca de 11 mil inscrições e 2.045 mestres, grupos e entidades sem fins lucrativos premiados, com um total de R$ 28,75 milhões. A premiação ficou suspensa entre 2013 e 2016, tendo sido retomada em 2017. No ano passado, foram agraciadas 129 iniciativas da Região Nordeste, 123 da Sudeste, 99 da Sul, 98 da Norte e 51 da Centro-Oeste.
A cada edição, o prêmio é dedicado a um ícone da cultura popular nacional. Neste ano, homenageia o cantor gaúcho Vítor Mateus Teixeira, o Teixeirinha. Ao todo, serão premiadas 150 iniciativas de mestres e mestras da cultura popular, que receberão, cada uma, um prêmio de R$ 20 mil. As inscrições podem ser feitas por meio do site da premiação.
Assessoria de Comunicação
Secretaria Especial da Cultura
Ministério da Cidadania