André Bergel (ao centro), analista de desenvolvimento humano da ClearSale: a cultura organizacional sem hierarquias estimula a troca de ideias | (Foto: Germano Lüders/VOCÊ RH)
Em 2013, o Google começou a pesquisar o que, afinal, faz uma equipe ser eficiente. A empresa estudou todas as combinações de times possíveis, passando por variações demográficas, étnicas, de gênero e de performance.
Depois de anos de estudo, concluiu que não importava se a equipe estava no mesmo lugar, nem o grau de extroversão, nem os resultados individuais, nem o tamanho do time. O que influenciava de verdade era a equipe ter propósito, clareza nos papéis de cada um, responsabilidade e — mais importante do que tudo — segurança psicológica.
Esse termo foi cunhado pela pesquisadora Amy Edmondson, da Harvard Business School, em 1999, que o definia como o apoio e a liberdade para que as pessoas façam suas próprias escolhas.
Agora, 20 anos depois, ela afirma que esse talvez não seja o melhor nome “porque dá a sensação de conforto, mas é justamente o oposto. Pode ser, inclusive, muito desconfortável. É sobre franqueza, sobre ser direto, tomar riscos e poder pedir ajuda quando precisar”, afirma em entrevista para a Harvard Business Review IdeaCast.
Sem culpa
Quando Amy começou a estudar o conceito, ela estava avaliando equipes hospitalares para saber quais cometiam mais erros. Ao contrário da percepção comum, ela descobriu que os times com melhores resultados eram os que mais admitiam os erros e estavam mais abertos a falar de suas falhas e aprender com elas.
Apesar de tornar as equipes muito mais produtivas, a segurança psicológica é um conceito ainda pouco difundido porque, segundo Amy, vai contra o instinto humano de “livrar-se da culpa e concordar com o chefe a qualquer custo”. Para garantir que o ambiente seja seguro, o RH e a liderança devem:
- preparar o cenário e ser transparente quanto ao trabalho e as funções de cada um;
- convidar os funcionários para o engajamento e questioná-los sobre o que pode ser melhorado; e
- responder de forma produtiva, ouvindo as sugestões, mudando o que for preciso e ajustando cursos.
Na empresa de soluções antifraude ClearSale, não se falava do conceito de segurança psicológica. Mas ele já era praticado internamente. “Esse ambiente seguro foi construído — e ainda é, todos os dias — desde o começo da empresa. Faz parte de nossa cultura permitir que as pessoas se sintam confortáveis para ser quem são, correr riscos e ocupar os espaços que cabem a elas”, diz André Bergel, analista de desenvolvimento humano da ClearSale.
Desde a fundação da companhia, nos anos 2000, uma das práticas é a reunião semanal ou quinzenal das equipes, nas quais a hierarquia não existe. “É um espaço para que sejam criadas relações entre as pessoas. Nesses encontros, todas as ideias são válidas e fica claro que não importa só o resultado. É o momento para ser o mais honesto possível”, diz André.
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A empresa também organiza atividades para trabalhar a colaboração e tem, como um de seus valores, a inovação. “Para que isso aconteça, sabemos que a tolerância ao erro é necessária. Só permitindo e encorajando que as falhas sejam divididas, todo mundo pode aprender e cada um assume seu papel de protagonista.”
Os resultados ficam claros na pesquisa de clima: 70% dos funcionários afirmam que sentem, recorrentemente, confiança; e que têm liberdade com responsabilidade; 61% sentem empatia e 67% que a empresa é um ambiente de inovação.
Outros 63% concordam que podem expor sua opinião a qualquer momento, de modo a não ser julgado negativamente; 73% dizem ser incentivados a sugerir e apresentar novas opções e formas de realizar as atividades na empresa e 80% concordam que podem ser eles mesmos na empresa.
Ainda: 66% afirmam confiar em seus colegas e 73% nas decisões tomadas por seu imediato superior.
Mudar ou mudar
Para Bettina Büchel, professora de estratégia e organização na escola de negócios suíça IMD, o chefe direto é o principal responsável por garantir segurança psicológica.
“A palavra que vamos começar a ouvir mais é coragem. O líder precisa ter coragem para apoiar os funcionários e eles precisam ter coragem para tomar riscos”, diz Bettina.
Somente assim, as companhias se desenvolverão de maneira sustentável. “Nem toda empresa está preparada para ser um ambiente aberto e muitas ainda vão conseguir crescer usando métodos antigos, como intimidação e metas agressivas, mas o resultado é uma alta rotatividade e, consequentemente, altos custos, além da falta de motivação”.
Embora essas organizações ainda não tenham entrado em colapso, vão perder seus talentos e sua capacidade de transformação se não mudarem o modus operandi.
Uma das possibilidades para acabar com ambientes tóxicos é criar um sistema de recompensas para as lições que foram aprendidas a partir dos erros, em vez de bonificar apenas os acertos. Mas é preciso encontrar aliados na alta liderança.
“Se o RH atua sozinho, leva-se, em média, três anos para mudar a forma como se enxerga o erro. Mas se os executivos abraçarem a ideia, isso é agilizado”, diz Bettina.
Nessa transição, é vital garantir a tranquilidade dos funcionários por meio de canais de comunicação, como um de denúncia, para aqueles que estiverem inseguros com a chefia direta possam desafabar.
Erros compartilhados
A mudança nem sempre é fácil, mas é recompensadora. Pelo menos é o que afirma Júlia Fernandes, diretora de RH da farmacêutica Novartis.
Presente no Brasil há mais de 80 anos, e com mais de 2 600 funcionários, a multinacional é uma das que mais investem em estudos clínicos, com mais de 1 bilhão de reais que apoiarão pesquisas até 2022.
Internamente, a empresa passa por mudanças que visam à inovação. O CEO global, Vasant Narasimhan, que assumiu em fevereiro de 2018, é o principal porta-voz desse movimento, assumindo, publicamente, os erros que ele e a empresa já cometeram.
Em uma visita ao Brasil, ele discorreu sobre uma de suas decisões equivocadas para cerca de 1 000 empregados. “Falar sobre isso é uma forma de incentivar as pessoas a tomar decisões com coragem em prol da inovação. Ninguém quer correr risco sozinho. É preciso sentir a segurança de que há uma equipe apoiando”, afirma Júlia.
Segundo ela, algumas das práticas da empresa que ajudam a proporcionar a segurança psicológica são a autonomia para definição de horários e jornada, o programa de psicologia positiva, que foca os pontos fortes das pessoas para criar equipes de alta performance, e uma nova ferramenta para que os funcionários possam dar feedback para as chefias e, assim, subverter a hierarquia.
“Os líderes precisam ser os responsáveis por garantir que seus subordinados se sintam seguros na companhia. Trabalhamos com um conceito de liderança chamado unboss, que diz sobre sair do papel de controlador e de hierarquia para um caminho de colaboração, diálogo e incentivo, que elimina as barreiras e apoia os times”, afirma Júlia.
Mais segurança, mais lucro
Mas garantir a segurança psicológica não depende apenas da chefia. Há outras variáveis que devem ser levadas em conta, como os resultados da empresa. Não adianta o gestor direto ser acolhedor e atuar como mentor se o futuro da organização parece sombrio.
O funcionário não vai ter segurança psicológica num ambiente que ameaça seu emprego o tempo todo. Por outro lado, se na equação a empresa tem um bom ambiente, mas o líder é ruim, os colegas podem passar a ser o ponto de apoio principal do funcionário.
Afinal, a segurança psicológica também está ligada com a maturidade moral da equipe, que deve ser medida por meio de perguntas diferentes das feitas na pesquisa de engajamento. Uma das mais importantes é: “Ao longo da semana que passou, todos os processos foram tão seguros quanto você gostaria que tivessem sido?”
O risco de não avaliar a segurança psicológica na empresa é grande, principalmente em tempos em que o compliance ganha mais espaço. Em um ambiente de medo, as pessoas escondem acidentes para não levar broncas.
Quanto maior o receio, maior o cinismo e a possibilidade de haver fraudes. O papel do departamento de RH é fazer o diagnóstico, fortalecer os valores da empresa, dar voz a quem está na ponta da operação, ouvir e investigar denúncias e treinar pessoas que tenham comportamentos tóxicos.
Pode parecer muito trabalho, mas, quando a empresa abraça esse conceito, os resultados — inclusive financeiros — são claros. Um exemplo de companhia segura psicologicamente é a Pixar, com 17 sucessos seguidos de bilheteria. Isso porque Ed Catmull, seu cofundador e líder até julho de 2019 (quando vai se aposentar), sempre atuou para garantir esse ambiente na companhia.
Sua ação se dá de duas formas: comportamental, falando dos próprios erros; e estrutural, organizando reuniões de feedback sobre as produções da Pixar.
Entre suas dezenas de frases célebres sobre deslizes, ele disse que “quem não está errando, está cometendo um erro ainda pior: sendo levado pelo desejo de evitá-lo” e “erros não são um mal necessário. Errar não é ruim, mas uma consequência inevitável de fazer algo novo”.
Ou seja, é hora de deixar todo mundo à vontade para ousar, se sair bem (ou mal) e aprender com isso.