Cenários sul-mato-grossenses ganham vida e ritmo na voz do jornalista Dary Pereira de Souza, que assume com bom humor o pseudônimo de Dario Julio, fazendo referência a todas as vezes em que público já entendeu o nome peculiar de forma errada. No álbum “O menino velho da fronteira”, “fatos se transformam em canção” em “um disco de amor para tempos de cólera”, explica.
Cada faixa tem o tom nostálgico das memórias da infância em Corumbá, cidade natal de Dary, mas também passeia por Campo Grande, onde o ele estudou na adolescência e cursou jornalismo alguns anos mais tarde. Com composições feitas em Brasília, inspiradas em Mato Grosso do Sul e gravadas em Curitiba, no Paraná, o disco é viajante, assim como a essência do local de origem, marcado pelas idas e vindas dos passantes fronteiriços.
Dary já tem outras 70 músicas gravadas, entre trabalhos com a banda “lorena foi embora…” e “Terminal Guadalupe”, além das participações em álbuns de outros artistas, mas é a primeira vez que arrisca os primeiros passos da carreira solo.
“Eu sinto que devia um disco à minha mãe, que é corumbaense como eu. É até engraçado pensar assim, mas ela teve grande influência na minha formação musical. Geralmente quando eu voltava com ela da feira, em Corumbá, ajudando ela a carregar uma sacolinha e outra, eu sempre parava no meio do caminho para ficar ouvindo a música que saia da janela das casas. A gente ficava ouvindo rádio AM, lá nos anos 70 e eu parava no meio da caminho, dizia: Mãe, espera um pouco, deixa eu ouvir isso. Aí eu ficava ouvindo”, relata.
Foi pensando nessas memórias que o artista entendeu que era hora de homenagear a mãe, hoje com 74 anos, enquanto o tempo ainda permite que ela ouça e entenda as letras. “É um disco baseado nas memórias, nos valores que eu assimilei com ela ainda na infância. Época em que geralmente assimilamos os valores que serão levados para o resto da vida. O disco é sobre isso, um disco de valores, de amor”.
Dos tempos de menino, o CD ainda têm influência das músicas entre ouvidas pelas frestas das janelas, como Paul Simon, Cat Stevens, Bob Marley, Elton John, Belchior, Odair José, Guilherme Arantes, Benito di Paula, e até a banda brasileira Pholhas, conhecida pelas canções em Inglês. Sobre as letras, Dary diz existir “um diálogo com a realidade de hoje, só que eu sou um pouco mais sútil ao tratar essas questões que estão afetando o nosso dia-a-dia. Eu recorro a leveza das palavras e especialmente aos valores que eu aprendi lá na infância”.
Em busca de oportunidades para a carreira como jornalista, Dary deixou Mato Grosso do Sul há 27 anos, em uma época em que não via possibilidades de ganhar a vida como artista e sem nunca ter pertencido há uma família abastada, viu no jornalismo um caminho de também tornar a música possível.
Levando as duas profissões de maneira paralela, ele conta que a maior influência do jornalismo na música é a “matéria-prima”. “Eu canto a minha verdade, rigorosamente tudo o que eu canto é um fato. Eu não faço um exercício de ficção na minha obra. Tudo rigorosamente sobre o que eu canto, acontece, ou aconteceu ou pode vir acontecer”.
Ter ido embora não diminuiu a relação de Dary com o Estado e ele não faz da partida uma crítica. Quando questionado sobre as “desvantagens” de Mato Grosso do Sul, ele é claro ao dizer que a região “sempre sofreu por estar distante e isolado”, mas também tira daí a influência positiva que a região fronteiriça no caso específico de Corumbá, possibilitou. “Esse isolamento também nos deu uma identidade, porque os navios chegavam da europa, entravam no Brasil pela bacia do prata, vinham subindo, pegavam o Rio da Prata que vira o Rio Paraguai e então, tivemos acesso ao longo da história tudo aquilo que era consumido na Europa, em outros grandes centros do mundo. Temos uma colonização portuguesa, italiana, árabe, muito forte e tudo isso fez Corumbá. Além da nossa própria relação com a Bolívia e com os povos Andinos, que também é parte da nossa identidade. Conseguimos ler várias coisas do mundo por causa da nossa localização, ao mesmo tempo em que, por causa dela, muita coisa não chegava até a gente”, avalia.
Como único pesar, Dary se posiciona quanto a falta de identidade de Mato Grosso do Sul como um todo, quando visto de outros locais do País, onde até hoje é confundido com a região norte. “A grande piada da divisão para nós é que a divisão foi provocada porque os endinheirados da região sul, os grandes fazendeiros e industriais, especialmente de Campo Grande, que achavam que não tinha sentido a gente ficar conectado a parte norte, que era uma parte pobre. 40 anos depois, Mato Grosso é muito mais rico e pungente que Mato Grosso do Sul, que ainda não conseguiu construir uma identidade forte. Seria muito mais fácil para vender o estado se o nome fosse do estado Pantanal. Coloca qualquer outro nome, coloca Guaicuru, não importa, mas dê uma identidade”.
Ao mesmo tempo, Dary percebe a riqueza cultural que permite ao sul-mato-grossense receber influências fortes como o chamamé, da polca paraguaia, e da música andina. Fazendo com que a região seja única e merecedora de mais reconhecimento.
“Até hoje eu entro no palco com Ciranda Pantaneira, do grupo Acaba, sempre coloco essa música para tocar na entrada da minha banda para deixar bem claro de onde eu sou e de onde eu vim. “Eu não faço verso atoa, estou molhado pela chuva. Ser pantaneiro é a fuga da morte é a busca da vida” e é isso. Tudo isso está na música do grupo Acaba. Temos que buscar uma identidade própria, definir uma estética própria, construir um discurso próprio e tal. Se eu pudesse dizer alguma coisa, eu diria isso para a galera que está começando. Continua aí. Eu tenho a mesma disposição do moleque de 17, 18 anos que queria montar uma banda e sair tocando por aí”.
O álbum está disponível em plataformas digitais como spotify, itunes e youtube e conta inclusive com vídeo clipe da música autoral “Como diria o poeta”, inspirada no Manoel de Barros.
Fonte: Campo Grande News