Contornos surgem do toque dos pincéis na tela e ganham movimento no corpo humano. Enquanto as mãos da artista visual Isabella Abreu transformam a finitude dos momentos em arte, o olhar da fotógrafa Sarah Outeiro traduz intimidade e sensibilidade.
Ainda dando os primeiros passos, “Furta Corpo” é resultado do encontro de duas jovens com trabalhos diferentes, mas que têm a mesma veia artística. A sincronia é tanta, que a primeira impressão de quem encara a tela do celular, aberta no Instagram do projeto, acha que fotografia e pintura foram feitas por uma única pessoa, sem nem imaginar que o encontro só aconteceu para colocar a ideia em prática.
Mesmo sem saber exatamente como explicar de onde surgiu o “Furta Corpo”, Isabella descreve o projeto parafraseando o pintor belga Michel Seuphor: “Onde o sonho se torna pensamento, onde o traço se torna existência”. Para ela, a criação foi uma construção bem mais subliminar, vinda do conjunto de vivências colecionadas, como o próprio nome inspirado nas obras de Clarice Lispector, estudadas pela artista há muito tempo, durante a construção de personagens em uma peça que “não foi para frente, mas a leitura ficou”.
Sarah hoje vive em São Paulo e já tem um portfólio consolidado na fotografia artística, o que deixou Isabella com um frio na barriga na hora do convite para o projeto, que aconteceu de maneira totalmente descontraída em frente ao antigo Drama bar.
“Eu tinha tentado uma vez fazer sozinha e tirar as fotos, mas meu negócio é a pintura. Foi uma experiência que senti a necessidade de registrar. Eu fiz com uma amiga e não deu muito certo, então mostrei para uma amiga que também fotografa na hora em que a Sarah estava passando e ela me disse: Se você quer fazer isso, precisa ser com a Sarah. Foi quando começamos a conversar e o que nos aproximou, hoje a Sarinha é uma irmã do coração”, relata.
Para Sarah, a identificação com a proposta artística e experimental foi quase instantânea. “Minha fotografia tem muito a ver com experimentos e mistura do digital e manual. Então quando veio a proposta e ideia da Isabella eu só entrei dentro. Gosto da ideia de transformar as fotos e as pessoas em obra de arte também é sentimental e humano”, conta.
“Acho que vivemos em um momento em que as coisas estão muito distantes, os contatos sociais, e eu acho bonito trazer algo íntimo. Intimidade dos olhares entre mim, a sarah, e a pessoa que posa como modelo. Acho que é tentar expressar uma coisa meio singela, de personalidade. Na minha cabeça pelo menos, é expressão”, traduz Isabella.
Em cada palheta de cores, Isabella busca traduzir a personalidade de cada pessoa (Foto: Sarah Outeiro)
Em cada palheta de cores, Isabella busca traduzir a personalidade de cada pessoa (Foto: Sarah Outeiro)
Hoje o processo é feito de criação é feito em sintonia depois de muita conversa para definir detalhes como a paleta de cores, o estilo das fotos e a mensagem a traduzir. O primeiro passo é escolher os modelos, que no início têm sido pessoas próximas das duas, que inspiram os tons escolhidos para a pintura, feita durante as fotos. Enquanto Isabela coloca a própria identidade visual nos traços, Sarah adiciona olhar e sensibilidade ao dirigir as poses e registrar toda a experiência e editar as cores do retrato para que sejam o mais fiel possível ao “original”.
Com Isabella aqui em Campo Grande e Sarah morando em São Paulo, os encontros ainda são esparsos, mas já renderam dois ensaios em que a delicadeza dos traços supera o véu tecido de tabus e censura que envolve a nudez. Talvez por envolver pintura no corpo facilita que as pessoas vejam o corpo como arte por si só. O que é muito bom porque é exatamente isso que queremos passar”, desmistifica Sarah.
Além do “Furta corpo”, Isabella também trabalha com produção de ilustrações, tela, prints e estampas, mas é com a pintura que tem ligação mais profunda. O interesse surgiu ainda na época da escola durante a produção de um peça de teatro em que sua personagem era uma pintora e precisava de uma tela para ilustrar o cenário. Para ela, nada é por acaso, ao contrário, “uma coisa leva à outra” e com as tintas que restaram passou a produzir em casa como hobby, que ganhou técnica e virou profissão depois de entrar no curso de Artes Visuais na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.
As pinceladas ganharam mais espaço, saíram das telas e passaram a ocupar corpos dispor de movimentos. Isabella explica que pinturas em papel são vistas como bidimensionais, ao contrário das pessoas que precisam um olhar específico, como se fossem uma escultura e precisam de muito mais contato. “Se eu pinto uma escultura de argila que ainda não foi para o forno,eu tenho que saber que a tinta vai secar e ter interferência na cor. Do mesmo jeito é a tinta na pele, que ao secar ganha textura e tonalidades diferentes. É aprender a trabalhar com a matéria, ao mesmo tempo que traz as coisas para a vida, ao mesmo tempo que mostramos uma tela viva, mostra também para gente o quanto as coisas são finitas, a tinta sai, o momento acaba”.
Já para Sarah, além da experiência, o retrato favorito feito pela fotógrafa é da modelo Isabela Sucher. “O movimento do corpo com as sombras também do corpo pintadas na parede trás sensação de autoconhecimento artístico e de algo fluido e livre. É bem satisfatório pra mim ver algo que criamos juntas e sentir essas coisas”.
Daqui para frente o plano é que os encontros aconteçam com mais frequência para que o projeto cresça.
Fonte: Campo Grande News