Há tempos a comunidade internacional de ambientalistas preocupados com as mudanças do clima esperavam pela entrada em cena do britânico Sir David Attenborough. Apresentador de programa, naturalista, considerado uma espécie de tesouro do Reino Unido, Attenborough se esquivava de tocar no assunto aquecimento global para evitar espantar seus ouvintes com notícias catastróficas. Mas esta relutância parece ter ficado no passado. Foi lançado este mês, pela Netflix, a série com oito episódios “Our planet”, feita em parceria e narrada pelo britânico.
No documentário há imagens extasiantes da vida selvagem, do degelo na Antartida, da luta dos pinguins pela vida, do perigo por que passam várias espécies em extinção. E há, principalmente, uma séria mensagem sobre a urgência de se rever métodos de produção e consumo para enfrentarmos o maior desafio de nossa era, que alguns humanos andam teimando em fazer de conta que não existe.
Aos 92 anos, e com uma voz aveludada que o tornou célebre, tem dado entrevistas sobre o tema. Numa conversa com Christine Lagarde, do Fundo Monetário Internacional (FMI), ele explicou a ameaça real que vê nas imagens que descreve, uma era de extinção que varre o mundo natural:
“É difícil exagerar o perigo em que estamos”,
Aqui no Brasil, outro lançamento traz pensamentos mais complexos e imprescindíveis ao tema. Diferentemente de Attenborough, o economista e professor José Eli da Veiga decidiu abraçar a causa ambiental desde sempre, já tem vários livros sobre o tema e acaba de escrever “O Antropoceno e a Ciência do Sistema Terra” pela Editora 34. O evento para lançamento do livro vai acontecer amanhã, às 17h, no Museu do Amanhã (Rio de Janeiro). Estarei lá, mediando o encontro entre José Eli, o deputado estadual Carlos Minc e Sergio Besserman, presidente do Jardim Botânico, que promete ser bem dinâmico. A entrada é gratuita, mas tem que se inscrever no site do museu.
José Eli descreve em seu livro a importância de se estudar com afinco a proposta de uma nova era geológica, o Antropoceno, e o surgimento da Ciência do Sistema Terra, “que integra aspectos de diversas disciplinas para entender o funcionamento de nosso planeta e o impacto dos seres humanos sobre ele”. Se faço conexão com a série estrelada por Attenborough é porque tanto numa como noutra publicação há informações de sobra para fomentar a reflexão sobre o quanto o aquecimento global pode ser decisivo para o futuro da humanidade. E informação é tudo o quanto a população mundial precisa para se sentir estimulada a fazer mudanças.
No livro de José Eli há informações sobre o momento exato em que a expressão Antropoceno ganhou o mundo. Foi em 2000, quando o químico holandês e Prêmio Nobel Paul Crutzen, “em irritado repente”, balbuciara este termo durante importante encontro científico, no México, em que se cansara de ouvir menções de paleontólogos ao Holoceno. A diferença entre as duas eras é, como próprio nome diz, a preponderância das atividades humanas sobre o meio ambiente.
Não há, por enquanto, consenso entre a comunidade científica sobre o tempo certo em que se deve cravar a passagem de uma para outra era. Mas há chances de que isto venha a ocorrer no próximo congresso mundial de geologistas, em 2020.
Para embasar o debate, José Eli da Veiga conta que alterações climáticas não são novidade para o nosso planeta. Para citar apenas uma: a Pequena Idade do Gelo, que ocorreu entre 1640 e 1715, causou o desaparecimento de um terço da população mundial. Ora, se com zero tecnologia e uma avalanche de informações a menos do que hoje, a humanidade ainda assim resistiu à tamanha crise, qual a diferença, e por que se ocupar tanto com o que está ocorrendo atualmente?
Vou arriscar uma resposta: em primeiro lugar porque, justamente por termos acumulado tantas informações e pesquisas, seria um absurdo perdermos, hoje, um terço da população mundial por questões climáticas.
José Eli lembra que “a suposição de que o conhecimento das influências que o processo civilizador exerce sobre a dinâmica ecossistêmica virá a permitir gestão informada e racional dos problemas, mediante novos modos de governança”. Oxalá!
Há tentativas, como o Manifesto Ecomodernista, diz o autor, que aposta no que ele chama de “antropocentrismo esclarecido” e busca a “desmaterialização da economia”. Trata-se de um movimento (aqui neste site é possível conhecer detalhe: https://degrowth.org/) em que se busca desacoplar o progresso dos recursos naturais para não causar impactos como os que já estão em curso em todo o planeta.
“Ninguém tem o direito de ignorar que, ao menos desde meados do século XX os humanos passaram a exercer pressões excessivas sobre alguns dos mais relevantes ciclos biogeoquímicos, como os do carbono e nitrogênio… de todo o dióxido de carbono atribuível às atividades humanas hoje estocado na atmosfera, três quartos foram emitidos apenas no curto lapso dos últimos setenta anos”, escreve José Eli.
Erosão da biodiversidade, acidificação dos oceanos, tormentas, secas, estão entre os principais resultados das atividades do homem na Terra. José Eli sugere, entre tantas outras coisas, que se comece a preocupar com os seres vivos, não com o planeta.
“Há 55 milhões de anos houve um evento muito parecido com o que está acontecendo agora, uma emissão acidental de quantidade de dióxido de carbono equivalente à que está sendo hoje produzida pela ação humana. A temperatura da Terra subiu oito graus nas regiões temperadas e cinco graus nos trópicos. Os seres vivos migraram para as regiões polares e ficaram centenas de milhares de anos pó lá. Quando a temperatura global voltou a cair, migraram de volta. O sistema Gaia (que concebe a Terra como um sistema que se autorregula), portanto, não está ameaçado, mas vai levar duzentos mil anos para voltar a ser como é. Para nós, humanos, isso é muito tempo”, escreve José Eli.
Vale ler o livro, vale assistir a série narrada por Sir David Attenborough. E vale, também, manter as informações como uma espécie de combustível para fazer mudanças. Estamos precisando delas.
Fonte: G1