Depois de anos de uma rotina corrida, eles aprenderam nas aulas de violão a reordenar o tempo com disposição renovada.
Os acordes do violão se fazem ouvir do corredor durante as aulas de música de uma turma que já passou dos 60, mas que preserva a animação de quem acabou de descobrir uma nova forma de encarar a vida. Alba, Raul e José têm histórias de vidas bem diferentes, mas se “esbarram” duas vezes por semana no Centro de Convivência do Idoso “Vovó Ziza”, para com o som do dedilhar das cordas dar ritmo a rotina.
Alba Alves da Rocha, de 61 anos, nunca foi de ficar parada. Funcionária pública por mais de 30 anos, ela conta que mais da metade da vida foi dedicada ao trabalho. “O horário de entrada para bater o ponto era 7h30 da manhã, o dia em que eu chegava tarde, ainda faltavam 15 minutos para as 7h. Sempre fui a primeira a chegar”, relembra com orgulho. Quando a aposentadoria chegou, foi mais por obrigação do que vontade, a tendinite foi o preço pago por anos lidando com folhas de pagamento atrás de uma mesa de escritório.
Depois de procurar um médico com fortes dores na mão direita e na extensão do braço, o veredito foi claro: “Ele me disse que eu não poderia mais trabalhar com nada que usasse as mãos, eu olhei para ele e perguntei que tipo de trabalho eu iria conseguir fazer sem usar as mãos?”. Foi aí que Alba decidiu que era hora de parar e aproveitar o tempo para ficar com a mãe, que na época já tinha problemas no coração, rins e pulmão. A dedicação que a funcionária pública tinha com o escritório passou a ser da mãe.
A realidade da aposentadoria só atingiu Alba 6 anos depois, quando perdeu a mãe e precisou lidar com dias inteiros ociosos. “Sempre fui de sair muito para cuidar das minhas coisas, conversava com os vizinhos e conhecia todo mundo na rua, sempre adorei dançar e só não sabia tocar violão. Quando perdi minha mãe, de quem eu era muito próxima, esses dias ficaram vazios”, conta. Há mais ou menos 1 ano, ela decidiu procurar o centro de convivência para fazer a “Oficina da memória” e por acaso, encontrou as aulas de violão. Hoje, duas vezes por semana, espanta a solidão com música, conversa e muita animação.
Sorridente, ela é uma das mais falantes na turma em que conhece todo mundo. Quando a equipe do Lado B entrou na sala, foi a primeira a se apresentar e ir deixando claro que estava voltando às aulas agora, já que no fim do ano passado a tendinite resolveu dar as caras de novo, mas com o tratamento médico, em breve ela estará boa para tocar um baile inteiro, até lá ela acompanha a turma com a voz puxando sem cerimônia os versos da “Chalana”, conhecida na voz de Almir Sater.
Mais reservado que Alba, Raul Costa, de 87 anos, não deixou de sair de casa nem com a chuva forte que começou por volta do meio-dia de ontem (28). Morador da região, ele preferiu deixar o violão em casa, mas foi até o centro a pé com a ajuda do guarda-chuva para ouvir os colegas tocarem. Raul ficou viúvo há 4 anos, mas ainda usa a aliança da esposa ao lado da dele em respeito a mulher com quem compartilhou a vida.
Fonte: Campo Grande News