Supermercado Extra, formato de supermercado do Grupo Pão de Açúcar (Grupo Pão de Açúcar/Divulgação)
Um novo escândalo envolve a rede de supermercados Extra. A morte de um jovem depois de uma ação violenta de um segurança é o caso mais recente excesso por parte dos funcionários e terceirizados da empresa. Mais do que um caso isolado, a morte do jovem indica falhas nos treinamentos e na gestão da rede varejista e levanta questões legais sobre quem deve ser responsabilizado nesses casos.
O jovem de 19 anos, identificado como Pedro Gonzaga, morreu após ser sufocado por um segurança em uma unidade na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Segundo o Extra, o segurança, terceirizado, reagiu a “uma tentativa de furto da arma”. “A rede esclarece que repudia veemente qualquer ato de violência em suas lojas. Sobre o fato em questão, a empresa já abriu uma investigação interna”, diz.
O GPA afirmou que em nota que “um grave fato ocorreu na loja do Extra e a rede não vai se eximir das responsabilidades diante do ocorrido, sendo o maior interessado em esclarecer a situação o mais rapidamente possível. Os envolvidos no caso foram definitivamente afastados. O Extra continuará contribuindo com a apuração e assegura que tomará todas as medidas cabíveis tendo em vista o resultado da investigação. Acrescentamos que, independentemente do resultado da apuração dos fatos, nada justifica a perda de uma vida e a companhia se solidariza com os familiares e envolvidos”.
Esse não é o primeiro caso envolvendo funcionários e seguranças terceirizados da rede Extra, do Grupo Pão de Açúcar.
Em 2017, o Hipermercado Extra foi multado por constranger uma criança negra a comprovar suas compras. O caso aconteceu em 2011, em uma unidade na Marginal Tietê, em São Paulo. Funcionários conduziram um garoto de 10 anos para uma sala, onde a criança sofreu agressões verbais e físicas, muitas delas com teor racista. Ela foi acusada de furto e constrangida a prestar esclarecimento, apesar de trazer consigo a nota fiscal dos produtos que carregava.
A empresa foi multada em 458 mil reais, entrou com recurso, que foi negado. Na ocasião, o GPA enviou a seguinte nota: “A rede esclarece que repudia qualquer atitude discriminatória e que tem na diversidade uma importante alavanca social e econômica, respeitando a todos os seus clientes, colaboradores e parceiros. Sobre o fato em questão, como ele ainda está em julgamento, o Extra não pode comentá-lo”.
Já em novembro de 2017, funcionários de uma unidade do Extra na Frei Caneca, em São Paulo, geraram revolta ao usarem perucas de cabelo crespo como uma ação para a Black Friday, ação ofensiva por caricaturar pessoas negras.
O Extra respondeu, pelo Twitter, que não houve orientação para essa iniciativa, que foi pontual em uma das unidades. o GPA emitiu nota dizendo que “não houve qualquer orientação para a iniciativa retratada e que o caso apontado foi uma ação particular e pontual ocorrida em uma de suas unidades. Assim que tomou conhecimento, solicitou sua interrupção imediata”.
Em 2018, um adolescente negro foi agredido por seguranças do supermercado Pão de Açúcar, depois de consumir uma barra de chocolate e um Doritos dentro da loja, antes de pagar pelos produtos.
Em todos esses casos, a companhia reiterou que há diretrizes estratégicas para combate a qualquer tipo de discriminação e para promover a inclusão de todos os públicos. Afirmou, a EXAME, que o Extra participa da Coalização Empresarial pela Equidade Racial e de Gênero, que estimula a implementação de políticas e práticas empresariais no campo da diversidade.
Já em relação aos seguranças terceirizados, o Extra diz que “cumpre com o exigido pela Polícia Federal para treinamento e reciclagem de seguranças, incluindo em sua periodicidade. Adicionalmente a isso, realiza periodicamente treinamento para reforçar as políticas e orientações da companhia sobre procedimentos de segurança em loja e modos de abordagem”.
A empresa abordou os casos como ações isoladas.
Mas o Extra e o GPA não são as únicas empresas envolvidas com casos de excesso de violência ou racismo por parte dos seguranças. O exemplo mais recente é a morte de um cachorro depois que um segurança o agrediu, na unidade paulista do Carrefour em Osasco, no dia 28 de novembro do ano passado.
Mais do que expor o excesso de violência de um segurança terceirizado, o caso da morte do animal demonstrou a falta de treinamento adequado da rede em lidar com a entrada de animais em suas lojas. Desde então, a varejista realizou programas de apoio a animais de rua, entre outras medidas.
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De quem é a culpa
Afinal, quem deve arcar com as consequências desses casos, as redes de supermercados ou as empresas terceirizadas, por quem os seguranças foram contratados? De acordo com especialistas ouvidos por EXAME, os dois lados.
Ainda que o funcionário seja terceirizado, as empresas tomadoras de serviço. No caso do jovem morto, o Extra e o Grupo Pão de Açúcar podem responder por todas as consequências dos casos. “Mas na jurisprudência, temos visto dificuldade em reconhecer a responsabilidade das empresas que contratam esses serviços”, diz Paulo de Carvalho Yamamoto, advogado trabalhista e mestre em Direito do Trabalho pela USP.
“Vemos que as decisões restringem a responsabilidade à empresa terceirizada, que muitas vezes não tem bens para arcar com o processo e eventuais indenizações ou multas. Isso pode levar essas violações a ficarem sem qualquer tipo de reparação”, diz o advogado. Ele afirma que a responsabilização da empresa que contrata uma terceirizada ficou ainda mais complicada depois das mudanças na lei trabalhista.
Problema estrutural
A recorrência dos casos de violência e racismo pode ser indício de um problema bem maior no sistema de treinamentos dos funcionários. Segundo Davi Tangerino, professor de direito da FGV, esses casos de uso excessivo de violência por parte dos seguranças indica uma tendência de reproduzir o sistema punitivo.
Na sociedade, há a crença de que, para evitar certos crimes o uso da força excessiva pode ser justificável, diz ele. “Há uma baixa valorização da vida quando há uma prática de um crime”, diz, ao lembrar a suspeita de que o jovem morto ontem teria tentado furtar a arma do segurança.
Há também a questão do racismo, apontado em alguns desses casos. “Práticas racistas vão continuar acontecendo, pois o racismo é estrutural na sociedade. Os treinamentos e a gestão adequada de funcionários não vão conseguir exterminar, mas podem diminuir essas condutas”, diz Yamamoto.
Tangerino segue a mesma linha. “Se uma empresa treina, ela consegue mudar uma cultura. O mesmo acontece com programas anticorrupção. Se for algo impregnado nas práticas da empresa e tiver envolvimento da liderança, aí sim pode funcionar. Mas, se for algo só ‘para inglês ver’, comum na cultura brasileira, não adianta nada. Pode até ser pior, porque cria cinismo em torno do tema de treinamentos”, diz.