Considerado patrimônio cultural do estado de Santa Catarina, a Pesca Artesanal com Botos teve seu pedido de reconhecimento com patrimônio nacional encaminhado ao Instituto do Patrimônio Histórico (Iphan), órgão vinculado ao Ministério da Cidadania, em outubro de 2018. A pesca artesanal praticada em Laguna (SC) é realizada em mar aberto e conta com a interação entre os pescadores e os botos, uma experiência única, que vem sendo transmitida de geração em geração há mais de 300 anos.
As atividades que envolvem criação, modo de fazer e de viver dos grupos que formam a sociedade brasileira é reconhecido pelo Iphan como Patrimônio Cultural Imaterial. O reconhecimento dessas atividades como parte da identidade nacional garante a continuidade de bens culturais que são transmitidos de geração em geração. O processo de reconhecimento desses patrimônios ainda é desconhecido de boa parte da população. Como é o caso da pesca artesanal com auxílio de botos, que somente começou a ser estudada há 6 anos.
Embora a pesca artesanal em Laguna seja uma prática muito associada aos açorianos, portugueses vindos da região dos Açores que colonizaram a região no século 17, a tradição remonta ao tempo em que os índios Carijó ocupavam o território onde hoje está localizada Laguna. Os açorianos teriam aprendido com os Carijó as técnicas da pesca artesanal.
Atualmente, a pesca feita com o auxílio do boto é realizada em diversos pontos da Lagoa de Santo Antônio dos Anjos, que permeia grande parte da cidade. Em geral, os pescadores se posicionam dentro da água em pé, com água na altura da cintura e esperam o sinal do boto, que vem direcionando o cardume de tainhas na direção do grupo. Quando o boto salta, o pescador joga a tarrafa na direção apontada pelo animal.
A tradição da região chamou a atenção do arquiteto e urbanista mineiro Wellington Linhares, que decidiu há alguns anos tornar a pesca artesanal com auxílio de botos o mote de sua pesquisa quando era aluno especial do mestrado de antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina. Era o primeiro contato de Linhares com políticas de proteção ao patrimônio cultural (material e imaterial). “À época, cheguei à conclusão de que a pesca artesanal ainda não era reconhecida nacionalmente como patrimônio e iniciei um trabalho de base. Inscrevi um projeto, via Fundação Lagunense de Cultura, para o edital Apoio e Fomento ao Patrimônio Cultural Imaterial de grupos de Imigração no PNPI (Programa Nacional do Patrimônio Imaterial), em 2013, lançado pelo Iphan. Esse projeto durou entre 2013 e 2015”, afirmou.
Durante o período do projeto, Linhares desenvolveu um trabalho que desse sustentação ao argumento de que a pesca artesanal é uma manifestação cultural e é única no Brasil. “A partir do projeto de 2013 tivemos ações de educação patrimonial, pesquisa, oficinas de fotografia e de audiovisual com equipes distintas para poder gerar conteúdo que embasasse um pedido de registro. Esse conteúdo foi transformado em livro, reforçado com pesquisa de professores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O livro e o DVD foram concebidos com o intuito de retratar o cotidiano dos pescadores artesanais na cidade de Laguna, SC.
De acordo com o arquiteto, o retrato, construído na forma de um livro e um DVD devolvido para a coletividade, enfatizou os relatos, as experiências, os conhecimentos sobre a pesca construídos por várias gerações. “O trabalho é fruto de uma sequência ininterrupta dessa mesma atividade, que nos fora relatado em cada encontro, tanto nas praias à espera do peixe, como no espaço privado de suas casas”, revelou.
Com o material em mãos, DVD e livro, Linhares procurou entidades que pudessem protocolar o pedido de registro do bem cultural junto ao Iphan. “Esse pedido somente poderia ser feito pelos próprios detentores do saber, ou seja, os pescadores artesanais. A dificuldade maior é que esse universo é composto por pessoas simples. Para facilitar, procuramos uma entidade apolítica para entrar com o pedido, a Pastoral dos Pescadores. Houve um processo de convencimento dos pescadores para conscientizá-los da importância do ofício da pesca artesanal, e de sua conservação”, destacou.
Linhares hoje, como pesquisador, desenvolve ações de educação patrimonial com a circulação de uma exposição que contém imagens do cotidiano registrados pelos jovens e pescadores das comunidades tradicionais.
Amor e tradição
Pescador desde a infância, o fotógrafo Ronaldo Amboni, hoje exerce o ofício apenas como hobby e destaca que a pesca da tainha feita com auxílio do boto é motivada por amor. “Nós já nascemos na água. A sensação da batida do peixe na tarrafa é indescritível. A pesca com o boto, raramente é feita como meio de sobrevivência, mas sim, como hobby ou complementação de renda. É uma tradição única no mundo”, afirmou.
Os botos conhecidos como “botos nariz de garrafa” são, segundo Amboni, classificados como ruins e bons. “O bom é o que trabalha com o pescador, cujo filhote é ensinado pela mãe a colaborar com a pesca, e o ruim é o que não se aproxima. A família dos chamados botos “bons” chega a aproximadamente 50 botos.”
Registro
O Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan analisa o registro de um bem cultural a partir de um pedido, que pode ser apresentado por associações da sociedade civil ou por instituições governamentais, encaminhado à presidência do Iphan. O processo termina com a inscrição do bem imaterial no Livro de Registro e a entrega do certificado à comunidade que detém o bem.
O registro do Patrimônio Imaterial considera quatro categorias: Celebrações, Forma de Expressão, Lugares e Saberes. Entre os exemplos de registro de Celebrações estão o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, que acontece todos os anos em Belém do Pará e o Complexo Cultural do Bumba-meu-boi do Maranhão. Na categoria Formas de Expressão, dois exemplos são a Arte Kusiwa – pintura corporal e arte gráfica Wajãpi e o Frevo. Em Lugares, a Feira de Caruaru e Cachoeira de Iauaretê, lugar Sagrado dos povos indígenas dos Rios Uapés e Papuri no Amazonas. No caso específico da pesca artesanal com auxílio de botos em Laguna, Santa Catarina, um conhecimento transmitido de geração a geração, envolve o universo dos saberes, do saber-fazer.
Saiba mais sobre os bens de natureza imaterial acessando o site do Iphan.O Livro e o Documentário produzidos pela equipe coordenada por Linhares, em 2016, também estão disponíveis.
Assessoria de Comunicação
Secretaria Especial da Cultura
Ministério da Cidadania